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04 July 2008

Crónica de um Jovem Democrata de uma Jovem Democracia

Entre grande escândalo e censura desvelou o Presidente da República, na cerimónia parlamentar do 25 de Abril, a ignorância dos jovens a nível de questões políticas. Aflito, apontou os criminosos, e não ilibou os partidos. Teve o mérito, pelo menos, de, durante, digamos, uma semana, ter posto meio Portugal a discutir o assunto. Sou o primeiro a reconhecer que os resultados do estudo da Universidade Católica encomendado especialmente por Cavaco Silva para o efeito são, a seu modo, preocupantes. No meio da discussão que se ergueu, porém, poucos atentaram no resto das conclusões do inquérito, tão ou mais interessantes do que as outras.
Leio uma síntese dos resultados do estudo. Os jovens, dizem, desvalorizam o voto como instrumento político, considerando-o pouco eficaz. Queixam-se da oferta partidária existente (metade não se identifica com partido algum) e da dicotomia esquerda/direita em que o debate político parece mover-se ainda (consideram esta distinção irrelevante, aliás). Estão ansiosos por reformas, profundas, e parte afirma mesmo a necessidade de uma mudança radical. Defendem uma maior taxa de mulheres em cargos políticos, novas formas, mais eficazes, que facilitem aos cidadãos a participação na tomada de decisões políticas. Valorizam mais os candidatos que os partidos – e argumentam a favor desta mudança de foco. Colocam a política em último lugar, sepultada: “outro valor mais alto se alevanta”, como a família, amigos, hobbies, religião, voluntariado ou o trabalho. Assinam muitas petições e não hesitam em boicotar produtos.
Leio tudo isto – e revejo-me no retrato. Penso em tantos dos meus colegas e amigos – e sinto-os iguais. A política em Portugal, entre jovens – seja-me permitida a aproximação – sofre hoje o mesmo mal que a religião: a simples menção dela é suficiente para afastar os potenciais ouvintes. Tenho um amigo meu que – e isto, acreditai-me!, é verídico –, quando, em dia triste, pretende enxotar a depressão sentimental, vê a ARtv, o Canal Parlamento, para se rir e animar. Compreendo-o e, tivera eu tempo para ver televisão (só a estreia da quarta temporada de Perdidos, no próximo domingo, me arrastará de novo, tal força da gravidade, para o sofá da sala) partilharia do seu entretenimento. Os políticos, em regra, falam mal e falam mentira: como querem que os queiramos ouvir? Os poucos que se filiam em partidos não o fazem tanto por convicção como por esperança de que, no futuro, isso lhes possa ser útil (os partidos são ainda redes de clientelas). Há, pois, os que têm cartão de sócio – e outros que não passam cartão nenhum aos partidos.
Hoje são eles, espante-se!, o principal problema da democracia. Tal como a vanguarda revolucionária comunista, se conseguiu tomar o poder, pela sua dedicação total a esse fito, perdeu de vista a realidade daqueles que, teoricamente, dizia servir, assim, do mesmo modo, todos os partidos hoje, obcecados em conseguir uma fatia do bolo guloso do poder, esqueceram o povo – e o povo futuro, os jovens, esqueceram-nos, por sua vez: perante “gente surda e endurecida”, melhor ficar calado. Errado, contudo, seria supor que tal visão significaria uma resignação dos jovens. Pelo contrário, face à falência evidente dos partidos como corpos efectivamente capazes de solucionar os problemas que nos atingem, os jovens assumem eles as responsabilidades. O estudo da Universidade Católica confirmava isso: se poucos se inscrevem em Juventudes partidárias, muitos, porém, entregam-se a projectos de voluntariado.
A grande reinvenção da democracia, creio, ocorrerá precisamente no tempo em que os partidos forem relegados para segundo plano, deixando de ser a força omnívora no esquema político. Não sei exactamente em que moldes tal operação se processará, mas é a ela que se referem os jovens do inquérito quando falam em “reformas profundas”. Recordemos: a nossa é uma jovem democracia – está só a atravessar a idade do armário: por isso os jovens a entendem.

18 March 2008

Marchas Populares

No primeiro dia do mês, a cidade acolheu o campeonato nacional de marcha, levando ao corte dalgumas das principais artérias da cidade e à abertura de outras improvisadas. Tenho de agradecer a Susana Feitor e João Vieira o terem forçado à inauguração de uma ligação entre a minha escondida rua e a da estação de comboio, pequeno atalho útil que, contudo, um só dia me serviu: a passagem foi já entretanto encerrada. A experiência, porém, por curta que tenha sido, bastou para ouvir – até de desconhecidos, que arriscaram conversa comigo – elogios ao prático e rectilíneo caminho que se abriu, paralelo à linha de comboio.

Isto das marchas parece, de facto, estar hoje na moda. Sábado passado, os professores promoveram a intitulada «Marcha da Indignação», reunindo cem mil manifestantes (avassalador número). Por repetidas vezes crocitei neste espaço o meu desagrado pela actual Ministra e o seu gabinete: não pude, por isso, deixar de rejubilar perante tal manifestação de força dos docentes, a quem, não me podendo unir em corpo, me juntei em espírito e, agora que escrevo, em letras. O PS, amedrontado, em vão quis responder com uma marcha de rua também, mas o beija-mão já foi transferido entretanto para um discreto pavilhão no Porto, entre quatro paredes.

Podia (e isso tenta-me como uma maçã) falar – seria óbvio, é o tema quente – sobre a situação insustentável que se atingiu na educação. Outro, porém, é o fenómeno que me atrai: esta nova vaga de marchas populares (e ainda não estamos no tempo dos santos). Há quem a tema e quem a saúde. Já ouvi rumores de PREC, já li comparações com esse tempo que eu não vivi: os ânimos andam exaltados. A questão, porém, permanece (Pacheco Pereira dedicou-lhe a sua última crónica no Público): porque estão as pessoas a sair à rua? Augusto Santos Silva acusa forças “de natureza anti-democrática” e faz lembrar a irritação de Sócrates quando este, confrontado com as manifestações populares em Montemor-o-Velho em Outubro passado, acusou o PCP e os sindicalistas de as orquestrarem. O governo falha em perceber que nenhuma força de carácter político ou afim poderia, por exemplo, mobilizar o assombroso número de professores que se manifestaram em Lisboa. Na realidade, muitos confessaram às televisões e jornais ser a primeira vez que participavam em acções de rua, e outros tantos sublinharam o seu carácter apolítico: é porque não acreditam nos partidos que as pessoas estão, enfim, a sair à rua.

Falo em nome de uma geração desencantada, a minha. Robert Redford, conhecido actor e cineasta, numa entrevista a um canal britânico a propósito do seu mais recente filme Peões em Jogo, explicava que os jovens se tornaram tão indiferentes à política por nunca terem conhecido uma liderança moral. Porque deixámos de acreditar que os partidos possam resolver os problemas que afectam a sociedade, carregámo-nos nós com essa responsabilidade, independentes. A internet oferece a plataforma ideal para essa contracorrente: veja-se a reportagem que o Público dedicou, aquando da marcha dos professores, aos blogues da autoria destes e ao seu papel na discussão pública dos decisões ministeriais, como o A Educação do Meu Umbigo, um dos mais frequentados (por mim também) de toda a blogosfera portuguesa.

Há, porém, uma fresta de esperança. Veja-se o fenómeno Obama, nos EUA, em que os jovens estão a desempenhar um papel importantíssimo. Estamos famintos de mudança, de ventos novos, que arejem o ar bafiento do establishment político. Não podemos por isso deixar de nos alegrar com o anúncio de um novo partido, por enquanto um movimento apenas. Não cremos nos velhos partidos, mas aos novos estamos talvez dispostos a dar uma chance (veja-se o caso sintomático do BE, que, quando surgiu, procurando vender-se como corpo estranho ao sistema, ganhou uma boa base de apoio juvenil, que fomentou o seu crescimento). Dêem-nos razões para acreditarmos no futuro, esse tempo desempregado, como nós, os jovens.

29 April 2007

Novos Oportunismos


Há, em Fight Club, essa icónica antologia satírica do mal de vivre finissecular, uma cena em que o protagonista, Tyler Durden, com uma pistola apontada à cabeça de um pequeno lojista, depois de este ter confessado que abandonara, por falta de empenho nos estudos, o seu curso de Biologia (a sua ambição era ser veterinário), ameaça o homem de morte caso, nos próximo dias, ele não reentrasse na Universidade e prosseguisse aquele seu emprego menor, em detrimento do seu sonho, que deixara por preguiça. Idílico, Tlyer termina: “Raymond K. Hessel, amanhã será o dia mais belo da tua vida. O teu pequeno-almoço vai saber melhor do que qualquer refeição que alguma vez tomaste”.

Evoco a cena à laia de prelúdio de uma breve reflexão sobre a mais recente campanha do Governo, Novas Oportunidades. Nela – como alguns, por certo, terão já observado, ainda que, tanto quanto me foi dado ver (mas eu também sou distraído), nenhum cartaz tenha sido afixado na nossa cidade – personagens célebres aparecem em profissões vulgarmente consideradas menores, tentando-se apresentar isso como consequência da não prossecução dos seus estudos. Assim, naquele que é talvez o cartaz mais divulgado, Judite de Sousa aparece numa banca de jornais com a legenda “Esta é a Judite Sousa que não acabou os estudos”.

Os anúncios rapidamente causaram celeuma. Manuel Alegre, indignado, chamou a atenção para a forma como ostensivamente se desvalorizavam certas profissões, representando os que as desempenham como perdedores. Se o objectivo da campanha – a luta contra o abandono escolar – é, certamente, louvável, o mesmo não se passa com o método escolhido. Como comentou José Diogo «Gato» Quintela, na sua crónica dominical no P2, esta campanha é a modos que «abrutalhada». No fundo, Tyler Durden no Fight Club e o Governo parecem padecer dos mesmos vícios de comunicação, mau grado as suas boas intenções. Não é isso que, porém, mais me choca, embora também partilhe das reticências expressas pelo deputado-poeta.

Aquilo que me irrita no cartaz é a associação simples entre estudos e sucesso. Primeiro, porque, como todos nós sabemos pelos mais variados exemplos do quotidiano, muitos são os que, sem acabar o curso, triunfam nas suas áreas e tantos outros os que, tendo o «canudo», estão longe da excelência dos primeiros. Segundo, porque aqueles que hoje cursam sabem não ter – quantas vezes! – lugar no mercado à sua espera. Magoa-me particularmente o anúncio com Pedro Abrunhosa, em que este aparece como mero arrumador de uma sala de espectáculos – é que, há cerca de um ano, a revista económica Dia D dedicou uma reportagem aos jovens licenciados que, para susbsistirem, aceitavam empregos fora da sua área e uma das entrevistadas, precisamente, ganhava a vida a indicar os lugares num qualquer teatro.

É esta mentira suprema que me revolta. A ordem natural das coisas parece mesmo funcionar ao contrário: se os que completam os estudos trabalham atrás de balcões e em cinemas, os que não os completam, ascendem, se necessário, até às cúpulas. Estas mentiras e incoerência do Governo, porém, são mais amplas. Veja-se: o partido que, por meio do Ministério da Justiça, num guia lançado depois do 25 de Abril, incentiva os funcionários a denunciaram casos de corrupção, é o mesmo que, poucos dias antes, recusou, na Assembleia, pela terceira vez, a criação do crime de enriquecimento ilícito. Isto tem, na terra em que eu cresci, o nome de hipocrisia. Como hipócrita é o discurso de austeridade do Governo: não porque, per se, seja errado, mas porque é inconsistente, como bem demonstrou o Tribunal de Contas, que voltou a criticar as nomeações excessivas do Executivo. São os “jobs for the boys”!

Novas oportunidades? Novos oportunismos! o corvo

17 June 2005

Youth Of The Nation - II

O pensamento é fatigante e é mais fácil ser-se jovem praticante do vazio mental. Tal raça de gentes fazem contentes os manipuladores, senhores que pululam por todo o lado e se aproveitam destes inocentes mentais. Alguns jovens associam-se a juventudes partidárias, numa forma só um pouco mais sofisticada de consumo de ideias feitas, mas que, numa sociedade que é a nossa, os faz ganhar reconhecimento, mas nunca conhecimento. Mais provável é que provem o cunhacimento, cimento de toda a lógica partidária.

Há uma tolerância de opiniões que é indiferença, porque condescendência não é inexistência de diferendos e discussão. Cada um aceita a outrém opinião, mas não se procura apurar a verdadeira. A verdade não é prioridade desta juventude enquanto isso não a prejudica directamente. Por isso não há claridade, não há transparência, só aparência. “O mundo pode ruir desde que não me mate a meio do apocalipse” – vede o espiritualismo desta gente, tão desapegada da matéria e das coisas do mundo! Ironia, quão doce és, que nos fazes dizer verdades ao revés!

É preciso o confronto para que surja uma nova ordem. Mas esta é a juventude do “peace and love and money”, como pregava o anúncio recente dum automóvel. Não percebe ninguém, porém, como alguém escreveu, que “a paz dos homens é a guerra das ideias”? Não, ninguém entende, que este é o tempo da iliteracia que a todos se estende, como um polvo que sobre todos esparge a sua tinta negra e a ignorância faz-se regra. Ninguém precisa de entender, só tem de tender para onde tende a massa, o grupo – disso o sucesso depende, nem que isso signifique que o jovem – que o homem! – sua liberdade a uma caixa quadrada venda. Venda lhe tolha os olhos!

Nem a verdade nem a liberdade são bandeiras desta geração que só quer bandejas. Como se podem os jovens revoltar? Revolta implica pensamento. Revolta pede movimento. Mas é inércia o sentimento que doma e come toda esta geração. O mundo parte-se em bocados, o fim caminha a passos largos e aqueles que serão os governantes de amanhã dormem encostados, desencontrados do real. O mundo vai mal, mas não é esta juventude mole que o poderá mudar; ainda que o vá mandar, não o vai emendar. Onde está a rebeldia doutrora, meus irmãos? No armário em que o povo nos coloca nesta idade? Não sentis já o cheiro a mofo que o preenche?

Não, vejo-me ao espelho e comigo olho toda a juventude. Não encontro nos seus rostos o fulgor que construiu maios de 68 e hippies, ou o que monta agora marchas de liberdade no país do cedro, Líbano distante. Não, a juventude portuguesa o melhor que consegue fazer é trancar a Porta Férrea e pôr uma carrinha à frente porque a meia dúzia de gatos pingados que a velavam têm de ir tomar um café. Não, a juventude de hoje só consegue protestar para não ter de pagar propinas para lhe sobrar mais dinheiro para ir à discoteca. Não, a minha juventude só consegue reclamar para ter educação sexual porque infelizmente são todos uns coitados ignorantes que nunca ouviram falar de sexo e afins. Não, esta juventude só consegue lutar pelo aborto porque o prazer libidinoso deu para o torto e mais vale ter fora o caroço do que ter de tratar do bebé moço.

Assisto à sesta deste bicho que sou eu e os iguais a mim e ao declínio do nosso poder, ao enrouquecer da nossa voz, ao enlouquecer de nós, que só a loucura justifica esta decadência. E aguardo o fim da nossa demência... o corvo

Publicado a 20 de Abril de 2005

Youth Of The Nation - I

O título desta crónica é homónimo duma música dos P.O.D. cujo refrão é precisamente este grito cantado pelo vocalista e um coro de jovens: We are the youth of the nation (“Nós somos a juventude da nação”). A letra acaba, contudo, por revelar a delinquência, violência e decadência da massa escolar de alunos, mostrando bem que juventude da nação é aquela apregoada pelo cantor. Enquanto jovem, não posso deixar de reflectir sobre a minha condição e a da minha faixa etária: o nosso estado, os nossos objectivos, os nossos problemas, a nossa identidade. Os jovens são a minha comunidade, a juventude é a minha sociedade. Porém, eu olho em volta, volto a face e peço que me enterrem a cabeça na areia, tal avestruz, porque não encontro luz ao fundo do túnel para os meus irmãos.

Sinto, apalpo mesmo, nos seus rostos e nas suas mentes, em tantos, uma indiferença a que tudo votam indiferentemente. São agnósticos do mundo. Face a qualquer assunto, encolhem ombros, enrugam a face, calam a boca: nada é objecto de opinião entre eles – opinar é trabalhoso, empinar ideias feitas, menos moroso. É este o nosso tempo: a era dor produtos light, a época do microondas. Um tempo em que se compra tudo em pó e do pó tudo se ergue ao fim de cinco minutos, para logo a gula o consumir e tornar pó de novo. Um tempo em que Roma e Pavia são feitas num dia, porque só para um dia são precisas. Vivemos num mundo descartável.

Para quem, contudo, a mente deixa dormente, mente-se se se disser que são ideias complexas, essas que os jovens na sua preguiça tomam para si. Não, tudo se resume a escassos esquissos, e não porque a obra final ainda está longe, mas porque não interessa mais do que ter a ideia geral. É este o nosso tempo: o tempo dos livros de resumos e dos resumos dos resumos, onde a informação é em segunda mão e, assim, é o tempo do ouvi dizer que se ouviu falar, dos boatos que batem em campanhas eleitorais e tantas situações mais. É o período da segunda mão que a criação é dolorosa e custosa, e ninguém quer ter calos nos dedos.

Esta indiferença, este contentamento com a contenção do saber, com o não ter mais que meio rabisco sobre tudo, incomoda-me, mais ainda porque se mostra como moda, numa soberba de exibir ignorância que me recorda a nobreza doutros tempos e que aqui encontra a sua reencarnação, numa massa jovem que se sacrifica por tendências voláteis, por um consumo que é sumiço do dinheiro que nem é seu. Como bicha-solitária, esta juventude definha as finanças da casa para satisfação do seu egoísmo, em vez de tudo arranjar por si mesma para si mesma, numa solidão que lhe dita o nome com que a coroo. Coro de vergonha por ver que esta juventude que é a minha não sonha com nada mais alto, não quer dar o salto para um futuro incerto.

Este materialismo é só o reflexo do niilismo intelectual a que tudo se reduz entre os jovens. A quota que era do espírito transborda na ânsia de satisfação para a carne e aí procura o colmatar da mente que lhe falta. Não percebem que o saber tem uma vantagem: não ocupa lugar. Mas os brinquedos que adquirem para distracção da inocuidade em que transformam as vidas deles não cabem para sempre nos recantos em que os armazenam. A necessidade de ter enche-lhes a alma e logo, pois, para que o novo venha, deitam fora o velho. A tudo é dado prazo de validade – perdeu-se a noção de eternidade. Ninguém mais luta por vencer a memória curta humana, por se imprimir eterno nas páginas da história, por ser herói e artista. Quer-se tudo temporário, porque compromissos a longo prazo são promessas que não agradam fazer, porque só uma regra lhes parece regular a vida: o devir, a mudança, uma perpétua dança entre experiências. Os jovens hoje são atletas que passam a vida a mudar de pista, mas nunca arrancam da partida, porque nem sequer têm meta ou mote que os guie... o corvo

Publicado a 6 de Abril de 2005

13 March 2005

Semana Passada

Há semanas atribuladas que merecem ser contadas. Desculpem-me os leitores esta crónica se debruçar sobre a minha vida pessoal, mas julgo que os três acontecimentos que narrarei a seguir são fortes em mensagem.

Na minha escola, encontrava-me ligado à Associação de Estudantes, ocupando o cargo de director do jornal escolar, um projecto promovido pela lista que actualmente detém o poder. Aconteceu que dinheiro desapareceu, o que causou, naturalmente, um clima de desconfiança geral entre todos os membros da lista. Com um grupo significativo, evocando falta de unidade e condições para prosseguir o trabalho, demiti-me. Foi um acto que me custou bastante. Crera eu ali achar mudança, honestidade, humildade – essas palavras chaves que tanto haviam sido apregoadas durante a campanha. Fiquei defraudado. Mais isto me convenceu do lugar-comum que é o dito de que o poder corrompe. Não há poder que não se constitua que entre os honestos não tenha os corruptos. Todo o poder é uma desilusão.

Um amigo meu foi ao Dia da Defesa Nacional na terça, respondendo às suas obrigações enquanto maior e cidadão masculino do estado português. O que ele me relatou, que eu já em anos passados ouvira doutras bocas, reclama ser descrito e tornado público para que se conheça claramente o absurdo e truanice que em tal dia são praticados. Começa o quadro do dia com o degredo da juventude nacional, embebida e embebedada em Licor Beirão, cumprindo um “dever nacional”, assim lhe chamariam os oficiais que os interpelaram a consumirem bebidas alcoólicas nacionais. Mas os sábios conselhos dos nossos oficias não se cingiram a esta recomendação, exortando os jovens a se aproveitarem de jovens estrangeiras para lhes mostrarem como o nosso país é bom. Sim, que – como disse outro oficial – “o nosso país é pequeno, pobre e feio, mas é dever nosso protegê-lo.” E vejam, leitores, qual a qualidade daqueles incumbidos de tal missão... A acrescentar a tudo o já contado, há o uso repetido de linguagem explícita, grosseira e baixa, tanto por parte de oficias masculinos como femininos – viva a igualdade dos sexos! E, por fim, no arrear da bandeira, depois dum aviso sonoro para que todos respeitassem o símbolo máximo da nação, ainda a bandeira não está toda descida, e um oficial se começa a rir, e com ele, todos, exército e mancebos. É esta a comédia do Dia da Defesa Nacional.

A tragédia da vida é outra. Uma colega que me era muito querida anunciou-me, a mim e a outros colegas, que vai ter de abandonar a escola para ir trabalhar e assim ajudar a mãe. Deixa para trás os seus sonhos, os palcos de teatro que ela tanto queria conquistar e tão bem o fazia, numa arte e mestria incomparáveis! De tudo abnega pela mãe, por decisão própria, sem que ninguém a tenha obrigado. São pessoas como ela que me fazem crer que ainda existe algum bem no mundo, que nem todos os corações humanos são podres e insensíveis, de que o altruísmo – o heroísmo! – ainda é possível nesta terra decadente. O seu gesto foi uma das mais poderosas lições de moral e vida que algum dia me pregaram. Que eu saiba aprender com ela na memória saudosa da sua pessoa que nunca me deixará. Obrigado por tudo, Cláudia! o corvo

Publicado a 16 de Março de 2005