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13 May 2007

Rádio Macau



Confesso, sinceramente, que não tenho um tema para esta crónica. Sentei-me na cadeira, li os jornais da semana de lés a lés e só confirmei a velha sentença do Eclesiastes 1.9: “nada há, pois, novo debaixo do sol”. Algum leitor pode ficar espantado com a arrojada afirmação. Houve nada menos que três eleições (Madeira, França, Timor), outras foram prometidas (Lisboa) e uma criança desapareceu (Algarve). Porém, a vitória de Ramos-Horta era adivinhável, a de Sarkozy expectável e a de Jardim inevitável. Rói-me um medo por dentro sussurando-me maledicente as palavras d'O Leopardo de Lampedusa:é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma”.

Carmona, filho mal-comportado, foi “expulso” do poder. Porém, no fundo, que novidade há numa câmara de Lisboa em crise e num autarca arguido – as duas coisas em risco de se tornarem um pleonasmo? Ainda recentemente, a PJ foi a Gondomar de Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras foi acusada de eliminar elementos de acusação. E, claro, Jardim ganhou. Mas todos estes factos não significam nada, obviamente!

Por fim, o desaparecimento de Maddie tem ocupado gordamente os horários nobres dos telejornais: nem isto, contudo, é, infelizmente, novidade – Alice continua demasiado marcado no nosso espírito para que possamos esquecer isso. Porém, como o filme de Marco Martins desencantadamente revela, o interesse dos media é passageiro e superficial e, acima de tudo, desonesto, porquanto, mais do que com o drama pessoal, está procupado com as audiências baratas. A excessiva cobertura mediática do caso tem sido alvo de críticas, com muitos a sugerirem que tem sido empolado devido à origem estrangeira da vítima que tem levado a uma mobilização policial para, literalmente, inglês ver – e, mesmo assim, como o revelam os tablóides britânicos, o inglês não está contente.

A leste (e a oeste), nada de novo, portanto. Encontrei, na minha pesquisa, reconheço, meia dúzia de notícias engraçadas, insuficientes para fazer uma crónica. O primeiro prémio da bizarria é arrecadado definitivamente pelo Hamas que, durante um mês, terá mantido um programa infantil semanal de apologia à resistência armada, cujo apresentador se vestia como o Rato Mickey. Recomendo uma busca rápida no YouTube para ver excertos das aterradoras emissões. O problema dos fundamentalismos atingiu uma tal dimensão que, veja-se!, o Grande Oriente Lusitano organizou um encontro em Lisboa para debater a questão, isto numa altura em que o Serviço de Informações e Segurança confirmou que terroristas, inclusive da Al-Qaeda, têm usado Portugal como país de passagem, fraude e falsificação de documentos.

Por cá, o troféu da bizarria vai para a Segurança Social, que exigiu a uma mulher, dada como morta pelo sistema há sete anos, que provasse estar viva, por meio de certidão. O absurdo é, todavia, mitigado por um mea culpa já assumido. Ao mesmo gesto de retractação não se prestou o Tribunal da Relação de Coimbra, cujo acordão sobre o caso do sargento Luís Gomes é chocante, referindo-se ao militar como “actor-encenador privilegiado do teatro da vida da criança-vítima”, acusando-o de ter forjado um “mundo de encantamento”, uma “ficção de realidade familiar”, induzindo na menor “laços de amor”, “criando-lhe uma personalidade para o futuro, como se de animal de estimação se tratasse”: tudo pelo “interesse pessoal e egoísta de ter um filho”. Não se trata de emitir aqui qualquer juízo sobre o caso – o qual, de resto, nem tenho acompanhado muito de perto – mas sim de constatar o teor do texto.

Mas que a Justiça está mal também não é, enfim, novidade. O mundo está monótono. Abriu esta semana, em Lisboa, uma delegação de Dennis Hope, que clama ser dono da lua e vende terrenos no nosso satélite. Quiçá, por lá, a realidade será mais interessante. Por enquanto, preso à terra, vou ouvindo os velhos Rádio Macau , cantando, com eles, o célebre verso do refrão: “Já não há nada de novo, aqui, debaixo do sol”... o corvo

14 February 2007

Brincar à Paz + Memória

No primeiro dia do mês mais longo desta cidade, o mundo soube a data do último volume da saga mágica de Rowling: o sétimo livro de Harry Potter estará nas livrarias a 21 de Julho. Outro anúncio e lançamento, contudo, passaram mais despercebidos. Uma empresa americana, Impact Games, disponibilizou o seu primeiro título: Peacemaker, à letra, aquele que faz a paz. Nunca fui assíduo consumidor de jogos de computador, mas apressei-me a adquirir este. Descarreguei o programa do site oficial – www.peacemakergame.com, custando-me a compra menos de vinte euros: nitidamente um preço simbólico, se atentarmos no atentado que são os preços dos grandes jogos do mercado. Instalado o ficheiro, corri a corrê-lo.

O meu invulgar interesse remontava já ao Verão, altura em que pela primeira vez contactara, numa notícia de jornal, com o projecto. Como o próprio nome indica, neste novo jogo de estratégia, contrariamente ao que sucede nos clássicos do género, o objectivo não é tanto a eliminação física do adversário mas sim a coexistência pacífica. Se o didactismo e inovação inerentes a este conceito seriam suficientes para que o projecto fosse louvado, este reclama maiores aplausos por servir-se de um conflito real para o seu propósito. Assim, o jogo reproduz, com fidelidade e ilustrando com vídeos e imagens, o problema israelo-palestiniano.

O jogador pode optar por desempenhar o cargo de presidente da Palestina ou primeiro-ministro de Israel, em três níveis de dificuldade diferentes: calmo, tenso ou violento. Dispondo de um vasto leque de acções ao seu dispor, o utilizador tem essencialmente de tomar decisões, com cujo resultado é confrontado no fim do round, e que não só condicionam as suas escolhas como influenciam todos os outros poderes em jogo, como o Hamas, os EUA ou a ONU. O jogador estará tanto mais perto da vitória quanto melhor conseguir reunir o apoio dos vários intervenientes na cena política, preparando-os e preparando-se para o difícil caminho da paz.

Os jogos didácticos tendem a não agradar aos jogadores normais, por raras vezes conseguirem ter a mesma qualidade de outros títulos do mercado, saídos dos grandes estúdios. Tendo já mostrado Peacemaker a alguns amigos meus, não é essa a impressão que tenho: o jogo, que creio ser peça de um mundo melhor para um mundo melhor, representa um verdadeiro desafio – talvez porque o problema em que se inspira é ele mesmo um dos maiores desafios da sociedade actual. Ainda no final da semana passada, reuniram-se em Meca o presidente e primeiro-ministro da Palestina, sob os auspícios do rei saudita, para procurarem pôr termo, pela formação de um governo de unidade nacional, à guerra civil. Islão significa paz, etimologicamente. Que as raízes da palavra mergulhem na terra.

*

Faz hoje uma semana que o P.e. Abílio faleceu. Não posso deixar, dolorosamente, de o evocar aqui. O P.e. Abílio, sob o seu frontispício de rigor e precisa exactidão de latinista nas palavras e nas coisas, era também um espírito cómico, de subentendidos humorísticos de uma elevação rara, sempre perspicazes e bem-dispostos. Professor nato, nunca se escusou a pôr ao serviço dos outros – e que é a vida de um padre senão o serviço? – os seus conhecimentos, quer fosse na tarefa de revisor deste jornal (quantas vezes a sua paciência e lápis me limaram – como num trabalho de ourives – as crónicas!), quer fosse no exercício do professorado: na escola, no seminário ou entre os imigrantes, quando começou para eles aulas de português. Como pároco, o seu trabalho é indesmentível e duradoiro – fui relembrado disso quando, no sair triste e lento da igreja, revi as duas placas que ladeiam aquele hall. O P.e. Abílio, estou certo, permanecerá muito mais tempo connosco que aquele que nós permanecemos com ele.


Publicada a 14.2.2007

03 April 2006

Munique-Mealhada


Já aqui o referimos, ainda ele não tinha atingido – pedra no charco – as salas portuguesas. Agora que escrevemos, bate, pesado, às portas da nossa cidade. Munique, de Steven Spielberg, está em exibição no Cine-Teatro Messias a partir de amanhã. Tendo já visto a película, não posso evitar tecer sobre ela alguns juízos, não tanto do ponto de vista cinematográfico, mas mais sobre o seu conteúdo, ainda que, no que respeita ao primeiro, como seria mais do que expectável, ela venha, mais uma vez, justificar a razão do prestígio do seu realizador – apresenta-se como verdadeira obra de arte.

O sentimento mais instantâneo com que abandonei a sala de cinema foi o de uma profunda impotência: o filme revela bem – àqueles de nós mais cegos, ou inocentes (qual, dos dois, o meu caso, desconheço) – como as grandes decisões neste plano (o militar) estão completamente fora do âmbito de acção do cidadão comum, cuja opinião é irrelevante nesta matéria. Assim o verificámos, por exemplo, aquando da guerra do Iraque, em que, não obstante a mobilização mundial contra o conflito, este foi desencadeado – para ainda hoje se arrastar.

Sendo uma apresentação equilibrada dos dois lados (palestiniano e israelita), a fita revela, nuamente, como as razões de ambas as partes são as mesmas, logo, inconciliáveis: tanto uns como outros recorrem ao argumento do sangue, da família, da terra. Num dos diálogos do guião mais reveladores a esse respeito, um palestiniano comenta que o seu povo está disposto a esperar milhares de anos para recuperar a sua terra, tal como os israelitas, desde a destruição de Jerusalém, também esperaram, vendo só concretizado o sonho do regresso à pátria. Perante argumentos desta natureza, era inevitável que o filme se fechasse com uma triste mensagem de desesperança: a fita não prega moral, apenas constata a impossibilidade de paz.

A única, mas grande, diferença nos métodos entre palestinianos e israelitas é o facto de, pelo menos intencionalmente, os últimos não assassinarem inocentes, ou, sendo mais precisos, civis: pois nem sempre a culpabilidade dos alvos a abater pelos israelitas está suficientemente bem provada, deixando espaço à dúvida – e ao consequente abatimento de inocentes. Pelo menos, a informação, dentro dos seus limites que comportam a inexactidão que acabámos de referir, não era deliberadamente fabricada: como aconteceu na Guerra do Iraque, com a CIA e as “provas” das armas de destruição maciça.

Ainda assim, esta política de eliminação selectiva – como lhe chama Israel, que já avisou que prosseguirá com ela, pondo na lista inclusive o recém-eleito primeiro-ministro do governo Hamas – tem verdadeiros efeitos práticos? A película é, garanto, profundamente deprimente. A resposta que nos dá é um redondo não, ainda que, em defesa de tal estratégia, um dos personagens argumente que não deixamos de cortar as unhas só porque elas voltam a nascer, para explicar porque, a seu ver, se deve continuar com tal política, ainda que o terrorismo surja, claramente, como uma Hidra, em que uma cabeça cortada dá logo lugar a duas. Avner, o protagonista, não aceita a explicação, resignando-se à vanidade das suas acções.

Munique é também um magnífico ensaio sobre como a violência altera para sempre um homem. Os membros da Mossad destacados para assassinar os responsáveis pelo planeamento de Setembro Negro começam, gradualmente, a ter dúvidas sobre a justeza moral da sua missão: ou não estarão eles, para todos os efeitos, a assassinar também?

«Uma oração pela paz»: assim chamou Spielberg ao seu filme que divide quantos o vêem. Deixemo-nos também dividir – é o convite que vos lanço.

Publicado a 29 de Março de 2006