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03 September 2007

O Nojo (Em Dois Tempos) ou As Vantagens da Internet

1. A Internet, corolário tecnológico da democracia, é, possivelmente, a maior invenção do século XX. Espaço inédito de expressão, experiência sociológica anarquista, a web é a manifestação por excelência da vox populi: veja-se, por exemplo, a facilidade com que hoje é possível a qualquer utilizador criar uma petição online e divulgá-la por e-mail ou na blogosfera. Servindo-se dessa possibilidade nova, um dos autores do blogue Hotvnews 2.0, espaço dedicado ao cinema e à televisão, redigiu uma furiosa invectiva contra o quarto canal, disponível em http://www.petitiononline.com/offitvi/petition.html, onde pode ser subscrita.

A irritação do autor e de quantos já assinaram a petição deve-se aos novos horários para que a TVI relegou The Office: O Escritório. Versão americana de um original inglês que apenas posso vivamente recomendar, esta série de culto foi inclusive vencedora do Emmy de Melhor Série de Comédia em 2006, encontrando-se de novo na corrida ao prémio este ano. A TVI, que tinha adquirido os direitos, cancelou, ao fim de duas semanas em Julho, a emissão de The Office, apenas para a retomar em finais de Agosto com um episódio às cinco e dez da manhã.

O nojo – esse é o único sentimento que me invade perante a atitude do canal de Queluz. O nojo – e a revolta, acrescentaria. Esta petição reveste-se de um valor simbólico: ela não protesta apenas contra o tratamento dado às séries, mas contra toda a política de programação da TVI e o seu telelixo. Ouso mesmo mais: esta petição é quase um manifesto não só contra o quarto canal, mas contra todas as estações generalistas e a sua lógica estupidificante, contra a forma como sistematicamente exorcizam de si os programas de qualidade. Ainda este Verão, tempo sempre mais propício à preguiça de ver televisão, verifiquei essa verdade. E, ao contrário do que se possa argumentar, não se trata – ou não é isso o fundamental – de uma questão de audiências, mas sim de uma alergia patológica ao Bom (ou inveja dele). De que outra forma se explica que a SIC, por exemplo, a 17 de Agosto, tenha relegado para a uma e quinze um filme como o Senhor dos Anéis III, que, como é sabido, tem um imenso público? Chega disto.

2. Espaço de liberdade absoluta, viveiro de freelancers, a Internet constitui-se à margem dos circuitos convencionais de informação controlados pelos media. Assim, pelo trabalho vigilante dos bloggers, notícias que, doutro modo, não teriam cobertura, chegam à esfera pública: sucedeu isso, por exemplo, com o caso da licenciatura de Sócrates, divulgado pelo Do Portugal Profundo. Da mesma maneira, o Kontratempos, de Tiago Ribeiro, denuncia agora a presença, entre as listas de convidados da Festa do Avante, de algumas delegações suspeitas.

Estarão na Quinta da Atalaia, ao que parece, representantes dos respeitáveis partidos comunistas de Cuba, do Vietname, da Coreia do Norte e da China: impecável lista de ditaduras. Com estas presenças, é caricato (ou revelador) que um dos temas em destaque no ciclo de debates a promover na edição deste ano da Festa seja precisamente, de acordo com o Jornal de Notícias, “as ameaças ao actual regime democrático de Portugal”. Já a edição do ano passado não escapou à polémica, quando foi denunciada a presença na Atalaia de um stand da revista oficial dos guerrilheiros da FARC, grupo que a União Europeia classifica de terrorista. O PC, curioso!, discorda deste rótulo, argumentando que se trata de “uma organização popular armada que há mais de 40 anos prossegue a luta pela real democracia na Colômbia e por uma justa e equitativa redistribuição da riqueza”. A prossecução desses nobres fins, estou certo, justificará os raptos e mortes perpetrados pelas FARC. Alguns, no ciberespaço, apelam já ao boicote da Festa da Atalaia. Urge que as “amizades” do PC comecem a ser discutidas publicamente: leia-se, a esse propósito, a peça laudatória de Miguel Urbano Rodrigues intitulada Guerrilheiras das FARC, disponível no site do Avante!. Haja vergonha: da nossa parte, só sobra o nojo. ■ o corvo

22 December 2006

Artes Plásticas


Saiu recentemente em DVD a terceira temporada de Nip/Tuck, uma série americana de grande sucesso centrada na vida de dois cirurgiões plásticos. A série, polémica, aborda de forma inovadora a actividade destes profissionais explorando os dúbios limites éticos da sua profissão. Paralelamente, estreou na semana passada o novo reality show do canal quatro: Doutor, Preciso de Ajuda! Estou convencido que é a estação quem precisa de ajuda e dum facelift urgente.

A persistência e a insistência no modelo dos reality shows, progressivamente mais aberrantes e espectaculares que os anteriores, é algo que, mau grado a válida explicação sociológica, me começa a confundir. Certo: há a curiosidade natural, o voyerismo quase hitchcockiano, uma longa cultura de imprensa cor-de-rosa que assenta no mesmo sentimento. Também é verdade que nem todos os reality shows gozaram da mesma fama, alguns notabilizando-se pela negativa. Porém, que justifica que, ciclicamente, reapareçam? Raramente se fala da possível relação do fenómeno com a incapacidade criativa do espectador. O telespectador médio perdeu o sonho depois de ter sido criança e ter acreditado em duendes. Porque não é capaz de um exercício de ficcionalidade, porque toda a ficção surge ante ele como delírio especulativo, ele busca então os programas ditos reais ou os que reflictam prtensamente o seu real (telenovelas). Nietzsche pôs a tragédia grega vítima esganada às mãos de fenómeno análogo.

Doutor,... espelha a necessidade da aparência. O programa oferece aos seus participantes uma cirurgia plástica, transmitida publicamente: no fundo, cultiva-se o gosto que levou à morte, na semana passada, da jovem modelo brasileira Ana Carolina. Uma das primeiras concorrentes – relatava o Público – “47 anos, motard nos tempos livres, já é avó, mas acha as conversas das pessoas da sua idade uma chatice”. Aqui se mostra a hipocrisia profunda da sociedade: a candidata, ao submeter-se a uma operação de rejuvenescimento, vai-se disfarçar, com patrocínios. E, numa terra de máscaras, espantamo-nos com as declarações do primeiro-ministro húngaro de que é necessário mentir povo: somos cães da mesma raça.

Mas notai!: “No nosso programa há muita informação médica, há conversas com anestesistas, com nutricionistas, que explicam os passos tomados”, reafirma Miguel Stanley, ideólogo do projecto. Não se trata de qualquer ficção inconsistente: todos os procedimentos são cientificamente explicados, o que representa evidentemente um contributo impagável de educação pública ou até “uma forma de trabalho social”! Ai, que riso amargo!: sim, é trabalho social, porque trabalho para o social, para a aparência, para o inglês, que é português, ver.

Eduardo Moniz vem em defesa do programa explicando: “Não poderíamos passar este programa antes das 23h. Sim, porque nós cumprimos as regras!”. Por isso, pelo respeito pelas regras, é que 25% do emitido na televisão em Setembro foi publicidade e a TVI domina no valor gasto. E há regras, caro Moniz, que não se acham escritas em Diário da República algum... Essas são conhecidas pelo nome de ética. Mas “quem tem ética passa fome”. A TVI é um exercício de kitsch – mas isso é só um sinal de esterilidade. Porque, admire-se o recém-nascido!, também este Doutor,... não é mais que uma variante de um já testado estereótipo. De produtos artificiais como os D’ZRT (que precisaram de se legitimar chamando ao segundo álbum Original), passando por Inspector Max (cujo único excerto que vi, num restaurante, me convenceu da inabilidade primária do director de fotografia) até Doutor,..., a TVI chapinha de cópia em cópia, até criar pastiches sem consciência da sua essência ridícula.

Na América, há Nip/Tuck – em Portugal, Doutor,...: cada um tem o que merece.