
Se não houvesse sinais (porque todas as coisas se anunciam e o inesperado é uma espécie de desatenção), esta polémica, naquela que é a mais antiga democracia do mundo, teria de necessariamente nos surpreender, havendo de ser entendida como um atavismo. A ficção, porém, prenunciava-o (cumprindo a profecia de Wilde de que vida, ela sim imita a arte), no facto de a série 24 ser um das mais vistas e Jack Bauer, o protagonista, se ter tornado num ícone republicano, evocado como exemplo de quem, perante uma América em perigo, não hesita em recorrer a meios mais «heterodoxos» para proteger o país (declarações de um dos candidatos nas primárias republicanas). Nem todos os americanos, claro, pensam assim, mas o simples facto de haver quem, em cargos políticos significativos, mesmo se sob o espectro ainda do 11 de Setembro, o faça, tem necessariamente de ser preocupante (Palin, lembre-se, gozou com Obama por este defender que os suspeitos de terrorismo deviam ser informados dos seus direitos).
A um dado momento no Munique de Spielberg, Golda Meir avisa: “Todas as civilizações sentem a necessidade de negociar compromissos com os seus próprios valores”: será isto um truísmo, sob a égide do medo e da socbrevivência? Somos capazes do acto paradoxal de hipotecar os nossos valores para os salvaguardarmos? A pergunta ganha particular pertinência agora que recordámos o início da II Guerra Mundial, no passado dia um, pois que foi com o seu fim que a Europa, esventrada, optou pela paz, antes improvável, hoje necessária, nem que seja como hipérbole da segurança, o valor, não declarado, mais importante para a maioria das pessoas. Tornámo-nos demasiado morais ou, simplesmente, demasiado cínicos, para que possamos crer na guerra como solução. Veja-se: sabemos, por exemplo, que parte fundamental do nosso futuro se joga no Afeganistão. A consciência dessa verdade geopolítica, porém, em nada altera o nosso sentimento: os ingleses continuam a exigir, de forma peremptória, o rápido regresso das suas tropas. Obama, pelo contrário, envia mais soldados.
A questão tremenda a que temos de responder é: não assenta a possibilidade do nosso pacifismo europeu no belicismo americano? Não haverá uma profunda hipocrisia subjacente a todo o orgulho com que nos arvoramos em guarda avançada da civilização & democracia? A II Guerra Mundial, que evocamos e cuja importância e justeza, penso, ninguém questiona, consistiu, no fim de contas, também numa espécie de pornografia moral, em que os Aliados, para esmagarem um totalitarismo juntaram-se a outro, em que, para triunfar, tiveram de – por relutantemente que o tenham feito – servir-se das mesmas técnicas de intimidação e terror que aqueles que combatiam usavam: pense-se nas duas bombas atómicas ou na destruição de Dresden, talvez só semelhante à de Cartago. Falta uma interrogação sincera pela força das nossas convicções – e até mesmo pela sua possibilidade.
A um dado momento no Munique de Spielberg, Golda Meir avisa: “Todas as civilizações sentem a necessidade de negociar compromissos com os seus próprios valores”: será isto um truísmo, sob a égide do medo e da socbrevivência? Somos capazes do acto paradoxal de hipotecar os nossos valores para os salvaguardarmos? A pergunta ganha particular pertinência agora que recordámos o início da II Guerra Mundial, no passado dia um, pois que foi com o seu fim que a Europa, esventrada, optou pela paz, antes improvável, hoje necessária, nem que seja como hipérbole da segurança, o valor, não declarado, mais importante para a maioria das pessoas. Tornámo-nos demasiado morais ou, simplesmente, demasiado cínicos, para que possamos crer na guerra como solução. Veja-se: sabemos, por exemplo, que parte fundamental do nosso futuro se joga no Afeganistão. A consciência dessa verdade geopolítica, porém, em nada altera o nosso sentimento: os ingleses continuam a exigir, de forma peremptória, o rápido regresso das suas tropas. Obama, pelo contrário, envia mais soldados.
A questão tremenda a que temos de responder é: não assenta a possibilidade do nosso pacifismo europeu no belicismo americano? Não haverá uma profunda hipocrisia subjacente a todo o orgulho com que nos arvoramos em guarda avançada da civilização & democracia? A II Guerra Mundial, que evocamos e cuja importância e justeza, penso, ninguém questiona, consistiu, no fim de contas, também numa espécie de pornografia moral, em que os Aliados, para esmagarem um totalitarismo juntaram-se a outro, em que, para triunfar, tiveram de – por relutantemente que o tenham feito – servir-se das mesmas técnicas de intimidação e terror que aqueles que combatiam usavam: pense-se nas duas bombas atómicas ou na destruição de Dresden, talvez só semelhante à de Cartago. Falta uma interrogação sincera pela força das nossas convicções – e até mesmo pela sua possibilidade.
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