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14 October 2007

Do Budismo

Retomei na semana passada um conto em que trabalhei durante as férias. Ao descrever um particular movimento de alma da personagem principal, veio-me à lembrança, como recta ilustração dele, uma velha parábola budista. Não me recordo onde a li pela primeira vez (quiçá, no bom Siddharta, de Herman Hesse?). A estória revolve em torno de um homem que, atingido por uma seta embebida em veneno, se recusa a ser tratado sem antes saber quem o feriu – perecendo antes que tal informação consiga ser averiguada. Pretende a parábola ensinar que o homem não deve ocupar-se com especulações filosóficas bizantinas; antes, face à realidade do sofrimento, superá-la. Curioso que a minha mente tenha regurgitado esta memória agora que se fechou o mês de Setembro, em que tanto se falou do budismo.
Tudo começou com a vinda do Dalai Lama a Portugal. O acontecimento acabou abafado pela polémica em torno dele, degradante espectáculo da diplomacia portuguesa. O governo português, “como é óbvio”, recusou-se a receber o Prémio Nobel da Paz. E, como é óbvio, o governo provou-se ridiculamente patético com essa sua atitude. Submisso como um cão, Portugal curvou-se (é esse o costume oriental de saudação) perante a China. Eis que somos governados por quem valoriza o dinheiro acima do homem. Não me devia ter surpreendido, porém, com essa apóstata inversão de valores: este é o mesmo governo que sempre assim os ordenou e dessa forma justificou o encerramento de vários serviços públicos pelo país. Da mesma maneira – vergonhosa, esperada – o PCP veio servilmente em defesa da madrasta China. É revoltante, como um ultimato inglês, esta submissão a uma das maiores ditaduras do mundo. Pelo contrário, Angela Merkel, a chanceler alemã, recebeu, uma semana depois, o Dalai Lama, como é obvio. Convenientemente para o governo, o telejornal da estação pública ignorou por completo o acontecimento, como nota Eduardo Cintra Torres no Público de sábado. Porém, já em Dezembro, mês em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Portugal, coerente e contente com a sua hipocrisia, deverá abrir as suas fronteiras a outro ditador: Robert Mugabe, presidente do Zimbabwe. Causa-me impressão que um país destes esteja à frente da presidência da UE – causa-me impressão que eu seja um cidadão desse país.
Os monges budistas têm também chamado a si as atenções pelo papel proeminente que estão a desempenhar na chamada “Revolução de Açafrão”, na Birmânia. Subitamente, os media começaram a falar desse país, do longo lento e mudo sofrimento de uma ditadura de quarenta e cinco anos. “Todos somos responsáveis por tudo perante todos.” – esta frase de Dostoievsky, que conheci via Simone Beauvoir (O Sangue dos Outros), hoje, num mundo globalizado, em que, à imitação de Deus, tudo sabemos, e cada canto do mundo é uma casa vizinha, é mais do que nunca verdadeira, carregando-nos de uma responsabilidade de que não nos podemos, sem prejuízo moral próprio, escudar. Várias campanhas têm sido lançadas estes últimos dias e petições diversas, por exemplo, correm apressadas pela Internet. Também a comunidade internacional tem vivamente repudiado a repressão de que estão a ser alvo os manifestantes. O futuro, porém, está longe de estar seguro – e tudo pode ainda terminar num imperdoável massacre, do qual seríamos todos culpados. A acção urge. Contudo, a China é possivelmente o único país capaz de forçar efectivamente a Junta Militar a abrir o regime, devido à importância das relações económicas entre os dois países. Infelizmente, Pequim não preza particularmente a democracia ou a liberdade dos povos. Triste mundo este em que os direitos humanos são negociados com base em questões económicas. Como na China. Como em Portugal. Parece-me que não precisamos de criar, como insensatamente sugeriu Maria José Nogueira Pinto, uma Chinatown: Portugal é já, neste campo, um Chinacountry.