23 September 2009

Consenso, Projecto & Utopia

A poucos dias das eleições, continuo sem saber em quem votar. Sigo com uma atenção desmesurada a campanha: vi praticamente todos os debates, acompanho o Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios, não perco os tempos de antena e encontro-me agora a ler os programas, mesmo o dos pequenos. Em cada um, encontro propostas que me parecem viáveis e, possivelmente, de bons resultados. Os partidos, porém, parecem recusar-se por princípio a admitir que outro possa ter um contributo válido para o debate. Manuela Ferreira Leite tem, neste particular, uma virtude: sabe admitir a razão alheia, talvez por ingenuidade política. Alguns comentadores não deixaram de a criticar pelas concessões, por exemplo, que fez durante o debate com Louçã, tantas vezes admitindo estar de acordo com o líder do Bloco; isso, porém, a meu ver, revela apenas uma honestidade invulgar, tanto mais perigosa – mas também por isso mais positivamente desconcertante – nestas eleições, em que cada partido se procura demarcar dos seus vizinhos violentamente.
A lógica de qualquer sufrágico democrático força, claro, a esse jogo, em que se agigantam as diferenças e se calam pontos em comum: não se quer o eleitor indeciso. Isto, porém, é absolutamente pernicioso, ao ignorar que o que quer se construa de duradouro, há-de sê-lo com base num consenso alargado, caso contrário, inevitavelmente, finda a legislatura, reemergerá, pronto, o calão do rasganço e Portugal, assim, como Penélope, tece a sua teia e desfaz tudo, a intervalos ritmados de cinco anos, enquanto espera Ulisses-Sebastião que venha salvar Ítaca e expulsar do palácio os pretendes que dissipam a fortuna da casa. O apoio às PMEs, por exemplo, reúne o consenso dos principais partidos, mas cada um se quer afirmar o seu campeão por excelência e, ocupados nessa tarefa, evitam aprofundar essa matéria, acabando, por isso, por serem insuficientes nas suas propostas, como o bem demonstrava Nuno Canilho no editorial há umas semanas atrás.
O discurso sobre a governabilidade do país num cenário de maioria relativa é mais uma prova de que o consenso é um impropério no jargão político nacional. É curioso contrastar estas eleições quer com as americanas, quer com as alemãs; estas últimas terão inclusive lugar no mesmo dia que as nossas. Os politólogos consideram que serão talvez as últimas em que será possível uma coligação a dois, sendo provável que, no futuro, sejam necessários pelo menos três partidos para constituir uma maioria parlamentar. Obama, esse, fez do bipartidarismo uma das apostas fortes da sua campanha, prometendo amainar o conflito entre republicanos e democratas. Por uma série de razões, esta tem sido uma missão assaz difícil. Os nosso partidos, pelo contrário, apenas cripticamente falam em coligações. Todos terão o seu contributo para dar, mas, ao invés de promoverem um debate partilhado, cada um, num gesto de alguma arrogância, apresenta, como tantas vezes se vê na Assembleia, um projecto-de-lei diferente sobre um mesmo tema, apenas para o ver chumbado por todos os outros.
Subjacente a esta incapacidade de diálogo, jaz um mal maior. Cada partido a concurso propõe muitas medidas nas mais diversas áreas, mas falta a todos um projecto para o país que enquadre e dê sentido a essas medidas, que assim não são senão uma forma de confrontar o real imediato, desprovidas de qualquer perspectiva de futuro. Com o déscredito das grandes utopias, abandonou-se de todo a utopia como forma de fazer política, melhor, como pré-requisito justificativo de toda a acção política. Assim, dão-se muitos passos, mas ninguém sabe já para onde se caminha.

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