Para Garrett, sexta-feira era o dia aziago, em que, n’ As Viagens na Minha Terra, o frade visitava Joaninha e sua avó, no verde vale de Santarém. Para mim, porém, sexta-feira é um dia particularmente caro, e não apenas porque se lhe segue o fim-de-semana. Todas as sextas vou «reunir aos meus amigos», como cantam os Quinta do Bill. Todos do Secundário, que a Universidade separou, fazemos esse esforço de nos vermos semanalmente. As conversas, animadas, oscilam entre os faits divers ou a quase fofoca e assuntos de matéria séria e elevada. No outro dia, por exemplo, falávamos de economia, assunto recorrente quando se junta um curioso ignorante como eu e três raparigas sábias da área.
A lição do dia: como faz uma empresa para não dar tanto dinheiro ao Estado. Dois amigos explicaram-me umas artimanhas simples, completamente dentro da legalidade e, de resto, banais: eu próprio já ouvira falar de coisas semelhantes, simplesmente nunca ninguém, até então, tivera a calma de me explicar com detalhe os trâmites todos da coisa. A lógica era simples: usavam-se os lucros para adquirir bens a bem dizer não essenciais apenas porque o dinheiro, não gasto, seria arrebanhado pelo Estado. Percebi o esquema, mas não deixei, porém, de comentar que era um tanto ao quanto estúpido: consumir sem necessidade parece-me errado, até do ponto de vista ambiental. Para além do mais, não haveria tendencialmente um dever de colaborar com o Estado e, como tal, de contribuir para o erário público? E é apenas justo que os que mais lucram, mais contribuam.
Os meus amigos até concordaram com algumas das objecções, mas, como Guterres, encolheram os ombros e exclamaram ser a vida: o sistema funcionava assim, e com «funcionava» queriam dizer não só que eram essas as regras mas que elas eram, de facto, eficazes. Quanto eu sugeria, eles, condescendentes, com a paciência com que se está com uma criança, mostravam-me ser impraticável – e eu não podia senão concordar com eles. Não contente, perguntei-lhes por sistemas alternativos. Olhava com especial esperança o triunvirato feminino (perdoe-se-me o paradoxo). As três Graças, tristes, porém, baixavam os olhos: não havia, em todo o curso de Economia, uma cadeira em que se pensassem modelos novos. Estudava-se o capitalismo – e como isso era já difícil, que a máquina é cheia de regras!
Eu vim para casa todo preocupado com o caso, buscando, na minha ingenuidade, uma qualquer solução para o problema primeiro: é que, caramba carambíssima! (©Eça, Ilustre Casa de Ramires), mau grado todos os problemas que eu via com isso, não era capaz de censurar sem hesitação, como um inquisidor espanhol, quem preferia comprar novo carro para a empresa (com o velho ainda todo novo) só para não ver parte dos lucros de um ano desaparecer sem retorno. Só uma muito boa vontade, que Kant tomava por ser a coisa mais sagrada do mundo, agiria de modo outro. Mas isso, enfim, moral que fosse, era prejudicial ao sistema: pois não assenta todo o capitalismo no consumismo como o comunismo na privação?
Meditava ainda eu nisto quando se soube que Ronaldo tinha sido vendido, como se faz às coisas, por noventa e quatro milhões. Alimentava-se meia África com aquilo, mas que importa: os adeptos, esquecidos disso, vão na mesma ver os jogos e comprar camisas com Ronaldo estampado aos chineses. De nada valeu a crise e todos os G20 e novas regras: a especulação continua. Tudo teve que mudar, para que tudo ficasse na mesma, como se ensina n’ O Leopardo, de Lampedusa. Mas não sejamos severos no nossos juízo: afinal, talvez Florentino Pérez, comprando Ronaldo, não tenha senão querido não pagar muitos impostos ao Estado.
Os meus amigos até concordaram com algumas das objecções, mas, como Guterres, encolheram os ombros e exclamaram ser a vida: o sistema funcionava assim, e com «funcionava» queriam dizer não só que eram essas as regras mas que elas eram, de facto, eficazes. Quanto eu sugeria, eles, condescendentes, com a paciência com que se está com uma criança, mostravam-me ser impraticável – e eu não podia senão concordar com eles. Não contente, perguntei-lhes por sistemas alternativos. Olhava com especial esperança o triunvirato feminino (perdoe-se-me o paradoxo). As três Graças, tristes, porém, baixavam os olhos: não havia, em todo o curso de Economia, uma cadeira em que se pensassem modelos novos. Estudava-se o capitalismo – e como isso era já difícil, que a máquina é cheia de regras!
Eu vim para casa todo preocupado com o caso, buscando, na minha ingenuidade, uma qualquer solução para o problema primeiro: é que, caramba carambíssima! (©Eça, Ilustre Casa de Ramires), mau grado todos os problemas que eu via com isso, não era capaz de censurar sem hesitação, como um inquisidor espanhol, quem preferia comprar novo carro para a empresa (com o velho ainda todo novo) só para não ver parte dos lucros de um ano desaparecer sem retorno. Só uma muito boa vontade, que Kant tomava por ser a coisa mais sagrada do mundo, agiria de modo outro. Mas isso, enfim, moral que fosse, era prejudicial ao sistema: pois não assenta todo o capitalismo no consumismo como o comunismo na privação?
Meditava ainda eu nisto quando se soube que Ronaldo tinha sido vendido, como se faz às coisas, por noventa e quatro milhões. Alimentava-se meia África com aquilo, mas que importa: os adeptos, esquecidos disso, vão na mesma ver os jogos e comprar camisas com Ronaldo estampado aos chineses. De nada valeu a crise e todos os G20 e novas regras: a especulação continua. Tudo teve que mudar, para que tudo ficasse na mesma, como se ensina n’ O Leopardo, de Lampedusa. Mas não sejamos severos no nossos juízo: afinal, talvez Florentino Pérez, comprando Ronaldo, não tenha senão querido não pagar muitos impostos ao Estado.
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