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04 July 2008

Filosofias, Robôs & Companhia

Espantam-se os meus amigos quando eu lhes falo na necessidade de começar a trabalhar activamente na construção de uma filosofia robótica. Estou assaz ciente de que será sempre, em maior ou menor grau, um exercício de especulação – como podemos nós, humanos, saber o que é estar no mundo como robot? – mas, contudo, estou convencido que é altamente necessário. Os meus colegas riem-se, e dizem que o meu amor pelo Matrix, essa obra-mor da ficção científica, me toldou o discernimento. O futuro, porém, é cada vez mais um assunto do presente (1).
Li no Público de sexta passada que cientistas de Pittsburgh, nos EUA, conseguiram que dois macacos comandassem um braço mecânico, ao qual não tinham ligação física, graças a alguns eléctrodos – da largura de um cabelo humano! – instalados no seu cérebro. Dava vontade de falar em telepatia: o rigor científico não o permite, contudo. A equipa de investigadores salientava a importância desta descoberta para as pessoas gravemente paralisadas, mesmo se a tecnologia ainda precisa, naturalmente, de ser aperfeiçoada. A simbiose entre máquina e homem avança a passos cada vez mais largos. O último número da Sábado, curiosamente, trazia precisamente uma entrevista a Kevin Warwick, o primeiro cyborg da história, ele que já teve instalado um chip que lhe permitia automaticamente abrir e fechar portas ou acender e desligar luzes. O ex-homem-máquina pretende em breve fazer novo implante que deverá permitir comunicar directamente entre dois cérebros humanos, descartando assim a fala, que ele rotula de “barulhos estúpidos” e “forma primitiva” de comunicação.
Como escritor e agricultor da palavra, assusta-me – não me assusta mais porque não me convence – esta possibilidade do fim da linguagem que, de resto, só um cientista limitado pela sua matemática pobre poderia conceber ou desejar sequer. O homem, aliás, não se encontra preparado para uma conversa translúcida, sem a mediação da palavra e do silêncio. Esta nova tecnologia a desenvolver por Warwick pretende também explorar a capacidade de o ser humano interagir com aparelhos tecnológicos meramente a um nível mental, como os macacos de Pittsburgh provaram ser possível. Ainda que um pouco exagerada, a previsão do investigador de que em 2050 os cyborgs serão uma realidade comum não é impossível, nem sequer improvável.
Esta possibilidade coloca-nos perante a questão última: o que é o homem? Subitamente, o indivíduo comum vê-se forçado, por força do futuro que espreita, ao exercício da filosofia. As implicações, contudo, estão longe de se resumirem a esse campo. Os cyborgs, por exemplo, serão preferidos naturalmente pelos empregadores para uma série de trabalhos, devido às suas superiores capacidades, filhas dos seus mais diversos implantes tecnológicos: seremos forçados a criar quotas de humanos puros nas empresas? Não pense o leitor que o presenteio aqui gratuitamente com uma visão apocalíptica do futuro: não receio este cenário, apenas insisto na urgência de o começar a pensar e resolver. A verdade é que o ser humano atingiu as portas do palácio da criação e está à beira de as transpor: podemos, enfim, mudar-nos a nós mesmos, ao ponto de nos confundirmos. Há coisa de duas semanas, o Reino Unido legalizou a criação de híbridos humanos, embriões com 0,1% de material genético de origem animal (essencialmente bovinos ou coelhos). Proclamava um bom professor meu que assistimos verdadeiramente ao nascimento de um minotauro: a mitologia faz-se realidade. O que é o homem, pois?
Filosofia robótica? Precisamos dela, sim; mas também, e muito, de uma filosofia do homem: aparentemente, esquecemo-nos do que é isso (ser homem é duro e mais fácil é não pensar).

1. Não posso deixar aqui, a este propósito, de saudar a Câmara da Mealhada pela inauguração da nova zona wi-fi no Jardim Municipal.

11 March 2007

Para O Futuro, Siga Em Frente


Numa cena do aguardado filme Southland Tales, de Richard Kelly, uma personagem, em posição de professora, comenta: “Os cientistas estão a dizer que o futuro vai ser bem mais futurista do que inicialmente previram.”. A observação rebolou-me na cabeça quando, na semana passada, encontrei no Público uma pequena notícia de uma grande curiosidade. A Coreia do Sul – onde se calcula que, entre 2015 e 2020, todos os lares terão um robô - reuniu um conjunto de peritos para conceberem um “código de ética” para estas máquinas. A iniciativa não é inédita: a Rede Europeia de Investigação Sobre Robótica divulgara no ano passado um relatório onde reflectia, por exemplo, sobre a justeza ética da criação de robôs destinados ao prazer sexual dos humanos, lembrando as máquinas do A.I., de Steven Spielberg.
A iniciativa da Coreia do Sul afectará, em primeira análise, as relações entre robôs e seres humanos: poderá, por exemplo, um homem casar com um andróide? Contudo, parece-me interessante reflectir também sobre a consequência de uma tal legislação para os robôs. A máquina é uma criação teleológica, destinada à execução de uma dada função. Não deverá suceder, porém, que, com os avanços da ciência, a máquina se mostre capaz de entender – e não somente obedecer – a sua finalidade e natureza compulsiva desta. O robô dotado dessa consciência estaria, nitidamente, numa condição de servidão inumana, privado da sua liberdade. Deste modo, qualquer corpus ético que se desenvolva não poderá ser do conhecimento do robô. Naturalmente, daqui resulta um intrincado conflito entre uma visão pragmática da robótica e o lado prometeico e genesíaco desta: a primeira concebendo as máquinas como servos felizes, cujo trabalho nos permitiria a nós, seus senhores, reganhar o otium horaciano; a segunda correndo atrás de um novo ser, par do homem, inteligente e crítico. Para que este último existisse, não poderia estar limitado pelo “código de ética”, mas, não preso por este, a sua vontade de servir os humanos seria decerto reduzida, almejando antes uma vida independente.
Procurando explorar estes imbróglios éticos do progresso científico, mas no campo da biogenética, um estudante canadiano concebeu um pequeno animal doméstico, sem pêlo, diferente das demais espécies conhecidas, cuja expectativa de vida é entre um a dois anos, e que pode ser adquirido em lojas seleccionadas, onde se encontra em caixas de plástico, em hibernação, à espera de ser despertado pelo dono. Pormenor importante: é tudo uma farsa. Adam Brandejs procurou com este seu projecto escolar interrogar as pessoas sobre as fronteiras morais da ciência e estudar o consumismo moderno. A sua conclusão, face aos relatos de crianças que pediam aos pais que comprassem o “bicho”, é, acertadamente, que “para toda uma geração, a vida e a ideia de vida estão a tornar-se bens descartáveis”: infelizmente, também nós aqui em Portugal compreendemos isso recentemente. É este o Maio de 68 da ciência, em que se grita pelos laboratórios: “é proibido proibir!” ?
Por vezes, perante tudo, dava vontade de construir o mundo de novo. Mas até essa última utopia parece ter ruído como uma senhora idosa que cai das escadas abaixo. Notícias recentes do Second Life [à letra, Segunda Vida], jogo cibernético onde o utilizador leva uma vida paralela à sua escolha, mostram que, onde existiam todas as condições e a reunião de vontades necessárias para, a priori, gerar uma outra sociedade melhor, esse ideal ficou pelo caminho: entre os utilizadores já circulam drogas, a corrupção já alastrou, as grandes companhias já asfixiam o mercado. Um grupo de utilizadores mais antigos criou mesmo uma Frente de Libertação que, triste ironia!, leva a cabo acções violentas de protesto, em nome do sonho perdido da terra nova e boa. O futuro pode ser, de facto, bem mais futurista do que previsto inicialmente; todavia, em última análise, assemelhar-se-á sempre, e demasiado, ao triste presente. ■ o corvo