Quando me sento para escrever a crónica, tenho sempre ao meu lado a pilha dos jornais da semana, que vou recuperando, um a um, e desfigurando armado da tesoura, recortando as notícias mais interessantes ou simplesmente caricatas, esperando depois nelas achar a inspiração para o texto. Escrita a crónica, a maioria dos recortes vai para o caixote do lixo, mas salvo sempre uns quantos para memória futura, guardando-os num dossier para o efeito. Todos os anos, chegado o Verão e o tempo livre, aproveito para reorganizar a colecção, eliminando um ou outro artigo cuja relevância que primeiro lhe vi se mostrou afinal efémera (no meu arquivo quero apenas aquilo que importa, até porque a minha mãe não gosta nada de jornais). Quando faço este meu exercício anual, é sempre engraçado verificar como o tempo acabou por desmentir tantos medos (guardo ainda notícias de há vários anos que davam por certo um ataque ao Irão na estação seguinte). Não deixa, porém, de ser assustador ver como há tantas coisas que, na altura, dominavam as conversas, mas, um ano volvido, quando evocadas, não despertam mais que uma memória distante, a custo desenterrada. Há, ainda, uma última vantagem, enquanto jornalista, em manter esta Torre do Tombo privada: tenho sempre perto a memória, para que não esqueça e, fresco do passado, melhor julgue o que se discute no presente.
No final do mês de Julho, Manuela Ferreira Leite afirmou rejeitar a «dicotomia ricos-pobres», confessando mesmo, num tom bem-disposto: «Em relação aos ricos, há apenas um sentimento que tenho e que é: tenho pena de não o ser». Face à negação do óbvio (sempre o tipo favorito de coisas para se negar em política) – o profundo fosso entre ricos e pobres no nosso país – pareceu-me que seria educativo recuperar do meu arquivo alguns cabeçalhos e notícias dos últimos dois anos:
“Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística em Outubro de 2007 calculavam em dois milhões o número de pobres em Portugal, o que equivale a um terço da população entre os 16 e os 64 anos”. (Maio de 2008, Público).
“Em 2007, o rendimento monetário líquido equivalente dos 20 por cento da população com maiores recursos correspondia a 6,1 vezes o rendimento dos 20 por cento da população com mais baixos recursos”. (Julho de 2009, Público).
“As disparidades na repartição dos rendimentos em Portugal têm sido ligeiramente atenuadas mas, em 2006, o país ainda tinha a segunda pior classificação da União Europeia, segundo dados do Eurostat”. (Maio de 2008, Público).
“Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o país da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação”. (Fevereiro de 2008, Diário de Notícias).
A líder do PSD ignora alegremente todos estes factos e louva os ricos e fica contente que dêem festas e que comprem muitas coisas e que tenham iates (é que tudo isto «dá postos de trabalho a dezenas de pessoas», mesmo se o desemprego é de centenas de milhares). Há algo de profundamente perverso nestas afirmações que revelam uma incapacidade de entender o que está de errado com a riqueza nos nossos tempos. É toda a lógica do luxo e do consumismo acéfalo que é simultaneamente imoral e anti-ecológica. Sei o quão estranho é hoje falar em moralidade, pelas conotações religiosas da palavra, num tempo em que até a FIFA quer agora proibir os jogadores de se ajoelharem quando marcam (porque não se pode confundir futebol com religião, dizem, mas o mais certo é ser uma estratégia para esmagar os outros operadores no ramo). Sejamos, pois, modernos e mandemos a moral bugiar e esqueçamos os recursos limitados da Terra e isso. Sabem: a coisa boa de ser corvo é que posso ir a todas as festas dos ricos sem ser convidado (têm sempre as janelas abertas!).
“Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística em Outubro de 2007 calculavam em dois milhões o número de pobres em Portugal, o que equivale a um terço da população entre os 16 e os 64 anos”. (Maio de 2008, Público).
“Em 2007, o rendimento monetário líquido equivalente dos 20 por cento da população com maiores recursos correspondia a 6,1 vezes o rendimento dos 20 por cento da população com mais baixos recursos”. (Julho de 2009, Público).
“As disparidades na repartição dos rendimentos em Portugal têm sido ligeiramente atenuadas mas, em 2006, o país ainda tinha a segunda pior classificação da União Europeia, segundo dados do Eurostat”. (Maio de 2008, Público).
“Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o país da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação”. (Fevereiro de 2008, Diário de Notícias).
A líder do PSD ignora alegremente todos estes factos e louva os ricos e fica contente que dêem festas e que comprem muitas coisas e que tenham iates (é que tudo isto «dá postos de trabalho a dezenas de pessoas», mesmo se o desemprego é de centenas de milhares). Há algo de profundamente perverso nestas afirmações que revelam uma incapacidade de entender o que está de errado com a riqueza nos nossos tempos. É toda a lógica do luxo e do consumismo acéfalo que é simultaneamente imoral e anti-ecológica. Sei o quão estranho é hoje falar em moralidade, pelas conotações religiosas da palavra, num tempo em que até a FIFA quer agora proibir os jogadores de se ajoelharem quando marcam (porque não se pode confundir futebol com religião, dizem, mas o mais certo é ser uma estratégia para esmagar os outros operadores no ramo). Sejamos, pois, modernos e mandemos a moral bugiar e esqueçamos os recursos limitados da Terra e isso. Sabem: a coisa boa de ser corvo é que posso ir a todas as festas dos ricos sem ser convidado (têm sempre as janelas abertas!).
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