É raro hoje, entre os jovens, discutir política. O assunto, se é trazido ao barulho, causa um mal-estar pronto, quer-se despachá-lo rápido, como um miúdo que come primeiro os brócolos que a mãe lhe impõe (os vegetais são importantes) para então gozar o resto do seu prato favorito. É simplesmente um tema impróprio, revelador de uma profunda falta de ciência social. Lembra essa cena brilhante d’ O Idiota, de Dostoiévski, em que o protagonista tem de ir a um serão burguês onde será apresentado e a amada, sabendo da tendência dele para as filosofias, o proíbe vivamente disso. Myshkin, porém, descumpre a promessa, começa uma discussão sobre religião, exalta-se, parte por acidente o vaso favorito da dona da casa e tem um ataque de epilepsia, estragando todo o serão. Uma conversa política séria corre o risco de acabar em igual pateticismo. É que a vida social é como patinar no gelo: necessariamente superficial.
Contudo, se acaso sucede essa coisa improvável que é ter-se um debate sério, não raro os meus amigos me têm ouvido dizer, à laia de provocação (como o Ega, n’ Os Maias, que aconselhava a conquista espanhola de todo o Norte), que Portugal será o primeiro país da História a extinguir-se, como os dodos ou os dinossauros. Mais: a coisa acontecerá, se tudo correr bem, lá por volta de 2033, para coincidir com o centenário do Estado Novo. Fiava-me eu na convicção de que o estado actual das coisas era simplesmente insustentável e, portanto, inevitavelmente, como isso fora uma qualquer regra física, teria de acabar (os moldes em que isso aconteceria, se por uma evaporação súbita do país ou uma debandada colectiva, não sabia).
Alguns rotulariam isto de pessimismo e chamar-me-iam Corvo da Tempestade, como se fazia, conta Tolkien n’ O Senhor dos Anéis, em Rohan a Gandalf, por ele apenas trazer notícias más. Descri entretanto, porém, da minha profecia. Diz-se, a um determinado momento da Declaração da Independência dos EUA, que “a humanidade está mais disposta a sofrer, enquanto os males forem suportáveis, do que a desagravar-se abolindo as formas a que se acostumara”. Para meu terror e insónias, percebi enfim que todos os males são suportáveis. O país não se extinguirá só porque chegou a um aparente ponto de colapso, em que a corrupção & as pressões, como Deus, se fizeram omnipresentes e estão no meio de nós. Olhe-se Itália, país do qual nos temos vindo estranhamente a aproximar, e onde todas estas práticas são quotidianas, instituídas e, aliás, necessárias ao funcionamento das instituições.
Não é por as coisas estarem mal que elas vão necessariamente mudar, não importa o quão mau seja esse mal – e temos de beber as consequências desta verdade até ao fim do seu horror. O Estado, de resto, como já notavam Marx e Nietzsche e outros, visa essencialmente conservar-se como é: o poder perpetua-se, garante o status quo, salva a pele. Vejam-se as escandalosas alterações feitas entre nós à lei de financiamento dos partidos, ou pense-se no mais recente caso que agita Inglaterra, onde os deputados usaram dinheiros públicos para ridículas e luxuosas despesas privadas. É normal que confusões destas se instalem, e isso vê-se no próprio discurso político: Elisa Ferreira, em campanha para a câmara do Porto (e para o Parlamento Europeu, mas só para assinar a folha de presenças em Bruxelas) explicou, preto no branco, que o dinheiro do Estado era dinheiro do PS.
Inflicto pois aquele que foi até hoje, aqui e tantas vezes, o meu crocito: o país não está, de forma alguma, à beira do fim ou sequer de uma revolução. Ainda que Sócrates, e muitos dos seus crentes, não o acredite, Portugal sobreviverá sem uma maioria absoluta – tal como uma maioria absoluta do PS, por sua vez, não destruirá o país. E este tudo ser suportável, este nada ter de mudar, este assentimento ao curso das coisas, independentemente dele, é precisamente o nosso drama: vamos andando (resposta tão nossa), continuamos, arrastamo-nos, espojamo-nos.
Alguns rotulariam isto de pessimismo e chamar-me-iam Corvo da Tempestade, como se fazia, conta Tolkien n’ O Senhor dos Anéis, em Rohan a Gandalf, por ele apenas trazer notícias más. Descri entretanto, porém, da minha profecia. Diz-se, a um determinado momento da Declaração da Independência dos EUA, que “a humanidade está mais disposta a sofrer, enquanto os males forem suportáveis, do que a desagravar-se abolindo as formas a que se acostumara”. Para meu terror e insónias, percebi enfim que todos os males são suportáveis. O país não se extinguirá só porque chegou a um aparente ponto de colapso, em que a corrupção & as pressões, como Deus, se fizeram omnipresentes e estão no meio de nós. Olhe-se Itália, país do qual nos temos vindo estranhamente a aproximar, e onde todas estas práticas são quotidianas, instituídas e, aliás, necessárias ao funcionamento das instituições.
Não é por as coisas estarem mal que elas vão necessariamente mudar, não importa o quão mau seja esse mal – e temos de beber as consequências desta verdade até ao fim do seu horror. O Estado, de resto, como já notavam Marx e Nietzsche e outros, visa essencialmente conservar-se como é: o poder perpetua-se, garante o status quo, salva a pele. Vejam-se as escandalosas alterações feitas entre nós à lei de financiamento dos partidos, ou pense-se no mais recente caso que agita Inglaterra, onde os deputados usaram dinheiros públicos para ridículas e luxuosas despesas privadas. É normal que confusões destas se instalem, e isso vê-se no próprio discurso político: Elisa Ferreira, em campanha para a câmara do Porto (e para o Parlamento Europeu, mas só para assinar a folha de presenças em Bruxelas) explicou, preto no branco, que o dinheiro do Estado era dinheiro do PS.
Inflicto pois aquele que foi até hoje, aqui e tantas vezes, o meu crocito: o país não está, de forma alguma, à beira do fim ou sequer de uma revolução. Ainda que Sócrates, e muitos dos seus crentes, não o acredite, Portugal sobreviverá sem uma maioria absoluta – tal como uma maioria absoluta do PS, por sua vez, não destruirá o país. E este tudo ser suportável, este nada ter de mudar, este assentimento ao curso das coisas, independentemente dele, é precisamente o nosso drama: vamos andando (resposta tão nossa), continuamos, arrastamo-nos, espojamo-nos.
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