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09 September 2009

Contra O Esquecimento

O jornalismo, hoje, é um exercício de epilepsia: convulsões súbitas, pasmos violentos, ataques breves. Os acontecimentos, pára-quedistas, surgem ex nihilo; uma profunda desatenção à pulsação dos povos e das coisas faz com que tudo pareça, ante os olhos do leitor/espectador comum, irromper abruptamente. Quanto se noticia, é violento, extravagante, extra-ordinário, rompe o ser normal das coisas (e com que força!), move paixões & logomaquias: os telejornais abrem com isso, os editoriais abordam o assunto e Marcelo Rebelo de Sousa comenta. Depois, muito rapidamente, como um Obikwelu, a coisa é esquecida, desaparece, e isto ao fim de meia dúzia de dias (salvo o caso Maddie). O século é futurista: reclama movimento. As notícias consomem-se como chicletes: mastiga e deita fora. Mas algumas insistem em não ir embora – e colam-se à sola do sapato e são uma pedra no sapato e são um peso na consciência.
Progressivamente, as notícias sobre o Irão, que ainda chegaram a fazer a capa de alguns jornais, foram esmorecendo: nos telejornais, agora, aparecem lá para o fim, como um carro-vassoura, e duram menos de um minuto. O petróleo não sofreu com a instabilidade no terreno (a greve geral acabou por não se realizar), e o Irão, convenhamos, fica longe. As imagens, carvão essencial da sociedade do espectáculo, começam a escassear, o que faz mais facilmente mentirmo-nos que tudo está bem. E entretanto Michael Jackson morreu e Cavaco anunciou finalmente a data das legislativas. É tão fácil distrairmo-nos – e, com isso, trairmos: esquecer aqueles que nos pediam que fôssemos testemunhas, que não esquecêssemos.
Os jovens que, feitos repórteres amadores pela necessidade, nos têm transmitido imagens, vídeos e notícias através da Internet, fazem-no para nós, para que saibamos, para que não se perca a memória. Todo o material que nos tem chegado pouco serve directamente à causa; ele é, fundamentalmente, para consumo externo: a TV oficial iraniana não reproduzirá o vídeo de uma rapariga abatida a tiro, como um cavalo, antes, pelo contrário, multiplicou, nestes dias, os filmes americanos na sua programação: contra a realidade, a fantasia (ainda esta semana emitiram toda a trilogia d’ O Senhor dos Anéis). As autoridades, nas manifestações, têm visado particularmente quantos empunham telemóveis, máquinas fotográficas ou câmaras. Esta é uma guerra de informação e ignorar os esforços dos que, a risco da própria vida, graças a toda a parafernália da Web 2.0 (Twitter, Facebook & Lda.), nos têm continuamente mantido informados é com-firmar a vitória de Ahmadinejad e do regime.
Por isso não podemos esquecer, menos ainda negar, como o faz o PCP na última edição do Avante, em que reproduz o discurso oficial do regime, acusando os EUA de ingerência nos assuntos internos do país (esquecendo-se que Obama foi duramente criticado por não ter tomado uma posição mais forte em relação ao Irão). Acreditava, antigamente, que o PCP tinha pelo menos uma virtude: era ideologicamente coerente. Que dizer, porém, agora, quando manifesta a sua simpatia por um regime que ilegalizou o partido comunista iraniano e prendeu milhares dos seus membros? Outros regimes ditatoriais, como China, Cuba ou Venezuela, têm limitado fortemente toda a informação sobre o Irão nos seus órgãos de comunicação: pressentem o medo (Tiananmen foi só há vinte anos).
Paira, por ora, em Teerão, um silêncio de morte [escrevo esta crónica no sábado]. Ontem, à noite, os estudantes sobreviventes juntaram-se na Universidade para uma vigília em memória das vítimas e de quantos tinham sido presos. Não façamos nós, agachados em casa, o erro de esquecer, achar já acabado o que ninguém pode ainda adivinhar como vai acabar:
الله أكبر. Allahu Akbar. Deus é Grande.

22 February 2006

Munique-Teerão

Amanhã estreia Munique, o novo filme de Spielberg, sobre a retaliação israelita após o sequestro, por palestinianos, da sua comitiva olímpica em Munique, em 1972. O espectro da vingança perpetrada por democracias ocidentais é tanto mais válido como tema de discussão se atentarmos nas recentes declarações de Chirac, defendendo o uso de armas nucleares para "a segurança dos nossos abastecimentos estratégicos" e como meio de dissuasão para “os dirigentes de Estados que utilizem meios terroristas, assim como aqueles que tencionem usar armas de destruição maciça”.

Se a proposta francesa força as fronteiras da razão, entrando no delírio, levanta, contudo, a mesma questão da fita de Spielberg: haverá um dever do bem de aniquilar, violentamente se preciso, o mal? Maniqueísta, a pergunta é dúbia, pois implica sempre uma definição de herói e de vilão. E se para o Ocidente o inimigo é o fanatismo muçulmano, para este, o Grande Satã é América e Israel. Elucidativas a este propósito são as afirmações de Ahmadinejad, presidente do Irão, que considera o Estado judaico “tumor maligno a riscar do mapa”, congratula-se pelo coma de Sharon, apelida de “mito” o Holocausto e sugere a transferência de Israel para a Europa.

Estas opiniões ganham tanta mais relevância quando o programa de enriquecimento de urânio foi, aquando da eleição de Ahmadinejad, retomado. A actual crise iraniana começa a atingir cumes insuportáveis, com o claro desprezo a que o Irão votou a Agência Internacional de Energia Atómica e a própria ONU. O acesso à energia nuclear por um tal fanático não é, por certo, para fins pacíficos, antes com o intuito de agressão ao Ocidente.

O Irão terá de/será atacado. Segundo país no «Eixo do Mal» de Bush, o ataque ao Irão é uma possibilidade remota neste momento, não obstante a necessidade que se lhe possa reconhecer. Só há três forças que poderiam comandar uma ofensiva e nenhuma agirá tão rapidamente. Israel encontra-se num clima de incerteza que não se dissolverá senão em finais de Março, quando for eleito um novo governo. Os EUA estão imobilizados: as suas tropas estão demasiado dispersas e as campanhas de recruta angariam cada vez menos jovens. Só com o abandono total do Afeganistão e do Iraque é que uma tal acção militar poderia começar a ser ponderada. Em termos de opinião pública, a América sofre do problema de Pedro e o Lobo: tendo mentido aquando do Iraque, agora, ainda que as razões sejam justas e acertadas, ninguém acreditará. A Europa, essa, nunca avançará sem os EUA, se bem que se coligará efectivamente – não como aquando do Iraque – com eles.

Porém, uma tal intervenção bélica poderia não redundar nos efeitos desejados. Os regimes islâmicos radicalizaram-se, tanto em Agosto com a eleição de Ahmadinejad, como na semana passada com a vitória expressiva do Hamas na Palestina. A violência no Iraque persiste – o plano para o Médio Oriente parece estar redondamente a falhar. Um ataque-relâmpago, o suficiente para resolver a crise a curto prazo, obrigaria a um segundo ataque dos EUA, posteriormente, tal como aconteceu após a incompleta primeira guerra do Golfo. Porém, um mero ataque aéreo às fábricas atómicas poderia desencadear uma resposta violenta, como o confirmou um Guarda da Revolução: “Se formos alvo de um ataque militar, usaremos a nossa muito eficiente defesa de mísseis”. O Irão poderia avançar com uma invasão do Iraque, gozando do apoio da maioria xiita iraquiana – ou, pior, atirar-se a Israel. Eis a nova Guerra Fria: passada nos desertos, quente como eles. ■ o corvo

Publicado a 1 de Fevereiro de 2006