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09 September 2009

Para Uma Análise Literária Dos Cartazes Políticos

A propaganda política é coisa velha: já em Roma os latinos grafitavam as paredes da Urbe com apelos ao voto neste ou naquele candidato (ou então com insultos ao adversário, técnica não menos eficaz). Com a emergência do Império, o hábito esmoreceu e como que hibernou até ao início do século XX, altura em que o cartaz irrompeu na cena política e artística, tornando-se na arma ideal de endoutrinação dos regimes totalitaristas, ao mesmo tempo que se afirmava como nova forma de arte, o equivalente gráfico do manifesto berrado, género tão querido aos futuristas. Não sem razão o Museu de Design e Moda, em Lisboa, tem patente uma exposição de cerca de duas centenas e meia de cartazes políticos, pois estes existem também enquanto objectos estéticos – pense-se, por exemplo, no icónico poster de Obama, de Shepard Fairey, que acabou mesmo leiloado.
Agora que se aproximam as legislativas e as autárquicas, as estradas, mas sobretudo as rotundas, pululam com cartazes promovendo os respectivos partidos e candidatos. A maioria dos outdoors dos políticos portugueses, porém, a entrarem num museu, só à laia de provocação (Duchamp também exibiu um urinol): não há neles uma única ideia estética e, o mais das vezes, limitam-se a repetir o mesmo modelo com slogans diferentes e, claro, uma cara outra. Gastei a semana passada a cirandar pelo Minho: vi uma boa meia centena de cartazes e registei com o afinco de um estenógrafo as várias palavras de ordem inscritas neles. Os candidatos às câmaras e às juntas conhecem quatro/cinco palavras e duas/três formas de as articularem: com isso fabricam toda uma gama de motes em que um apenas com dificuldade se distingue do outro.
A oposição, como um mantra, repete nos cartazes mudança, mudar ou qualquer palavra da mesma família (e isto é uma constante). Os actuais presidentes contra-atacam insistindo na justeza do rumo, palavra apaparicada pelo marketing do poder, que invoca a obra feita. Depois aparecem meia dúzia de cartazes a apelar ao colectivo, normalmente num de dois modelos, o Juntos por... ou o parónimo Todos por.... Há quem peça ou prometa mais ou melhor para terra, mas acima de tudo remete-se para o futuro, indubitavelmente o lema mais popular da campanha. Resta ao eleitor guardar a fé: acreditar, confiar, confiança (e outras variantes) são palavras que abundam. E pronto: a isto se resumem cinco sextos dos cartazes que engalanam o Norte.
Os cartazes na nossa cidade também não se destacam de sobremaneira. O de César Carvalheira faz o erro básico de cortar em dois a frase do candidato, intrigando quem veja só uma das partes: «depois as ideias, os projectos e as obras». Depois do quê?, perguntar-se-ia o eleitor incauto, do meu voto? De novo, pois, discurso da fé. Só vendo o outro cartaz, que antecede este, mas está sem grande inteligência virado precisamente para o outro lado da estrada, se entende: «As pessoas e o concelho primeiro». Não se pode pedir aos eleitores tão grande esforço mental, mas sobretudo do pescoço. Quanto a Carlos Cabral, repete ipsis verbis o lema do candidato de Conde, por sua vez o mesmo do de Lordelo, ambos socialistas também. Estranho que num partido cujo líder permanentemente fantasia com outro Portugal, querendo fazê-lo passar pelo real, falte tanta imaginação, afinal.
Ninguém arrisca uma proposta concreta, uma ideia que seja, que possa alimentar o debate: os cartazes têm um nível de informação zero e pouco mais servem que para feiosamente marcar presença. Fala-se em mudança e futuro, mas sem que se especifique a direcção dessa mudança ou a forma desse futuro. As eleições autárquicas, que seriam, por excelência, uma ocasião para promessas assaz concretas e palpáveis, ao encontro de necessidades muito específicas dos eleitores, acabam afinal por resvalar para um discurso vazio. «Palavras, palavras, palavras», lamentava-se Hamlet – e lamentamo-nos nós.

24 April 2007

Nacionalismos

Madrugadores pontuais da cidade despertante notavam, frente à Câmara, o autocarro. Pormenor intrigante do invulgar cenário, algumas dezenas de jovens deambulavam em torno do transporte verde. Pouco depois das oito, embarcavam ordeiros e a camioneta arrancava. Assim começava para eles o Dia da Defesa Nacional. Para aqueles porventura mais estranhos ao assunto, diga-se que esta jornada veio substituir a antiga recruta e a sua obrigatoriedade estender-se-á para o ano às raparigas. Mancebo enfim maior de idade, acompanhei esta leva.

Não é minha pretensão proceder aqui a uma descrição exaustiva do dito cujo dia, sobre o qual, entre os jovens, correm as mais variadas anedotas reais. Infelizmente, a minha visita ao Aeródromo de Maceda (Ovar) não foi tão profícua em casos e ditos caricatos. Relembro, contudo, a explicação dada por uma militar para a proibição do consumo de bebidas alcoólicas na messe: «antecedentes negativos» – gosto de imaginar o que o eufemismo pode encobrir. A mesma precaução suponho que tenha presidido ao aviso do militar que, antes do hastear da bandeira, nos pediu que, solenemente, não nos ríssemos. O público, esse, só manifestou sincero interesse, no seu nacionalismo de mercenário, na sessão da tarde, dedicada às questões fundamente práticas, leia-se, aos agradáveis salários e confortáveis vantagens de uma carreira de armas. De resto, desinteressadamente suportámos o Dia nublado.

Pouco tempo volvido sobre esta experiência, na longe Lisboa, como que em resposta a esse nacionalismo tépido, o PNR col(oc)ou um cartaz no Marquês, destinado à polémica. Lembro-me de, no Secundário, agarrar um pequeno papel que afincadamente dois jovens distribuíam à saída. Só depois de atravessar a passadeira olhei para o impresso, com uma reprodução da estátua de D. Afonso Henriques e palavras de ordem semelhantes às do cartaz do PNR. Voltei-me veloz para trás, porém não vi já o que desejava descobrir. Atrás de mim, tinha vinha uma rapariga de cor: quanto não gostava de saber se também lhe distribuíram o flyer!

Se narro este pequeno episódio, é apenas para reforçar a ideia de que, longe de ser um fenómeno novo, este nacionalismo anacrónico e desproporcionado tem-se vindo a instalar entre nós lentamente e – aqui reside o busílis do problema – entre grupos jovens. Disso é sintomática a criação, em 2005, da Juventude Nacionalista (JN). O mal, porém, é geral. Há coisa de dois meses, por exemplo, recebi um mail alertando para supostos raptos de crianças por chineses nas suas lojas. Isto é tão xenófobo como o outdoor de José Pinto Coelho e dos seus. Porém, muitos persistem em repassar estas mensagens mentirosas.

Animado pela recente vitória de Salazar n' Os Grandes Portugueses e com a polémica em torno do Museu em Santa Comba Dão, o nacionalismo radical vai ganhando espaço público. Mesmo na Covilhã, onde fui passar a Páscoa, encontrei num mural alusivo ao 25 de Abril a seguinte inscrição, que vim mais tarde a saber, por meio de uma reportagem do Público, ser da autoria da JN: “hipocrisia censurar opiniões”. A frase podia estar gravada no segundo cartaz do PNR na rotunda do Marquês, que recorre a igual defesa. Sinceramente, concordo que mesmo partidos com opiniões desta natureza não devem ser proibidos de expressar os seus pontos de vista, pelo que o vandalismo de que foi alvo o primeiro cartaz me parece não só incorrecto mas também uma resposta medíocre quando comparada com a intervenção do Gato Fedorento. Contudo, o caso não é cómico, antes se reveste de andrajos trágicos, transversal a países cujo futuro inquieta: na Rússia, enquanto Kasparov era preso, uma manifestação de extrema-direita decorria sem entraves. No xadrez estranho do mundo, quem adivinhará a próxima jogada?

o corvo