24 April 2007

Nacionalismos

Madrugadores pontuais da cidade despertante notavam, frente à Câmara, o autocarro. Pormenor intrigante do invulgar cenário, algumas dezenas de jovens deambulavam em torno do transporte verde. Pouco depois das oito, embarcavam ordeiros e a camioneta arrancava. Assim começava para eles o Dia da Defesa Nacional. Para aqueles porventura mais estranhos ao assunto, diga-se que esta jornada veio substituir a antiga recruta e a sua obrigatoriedade estender-se-á para o ano às raparigas. Mancebo enfim maior de idade, acompanhei esta leva.

Não é minha pretensão proceder aqui a uma descrição exaustiva do dito cujo dia, sobre o qual, entre os jovens, correm as mais variadas anedotas reais. Infelizmente, a minha visita ao Aeródromo de Maceda (Ovar) não foi tão profícua em casos e ditos caricatos. Relembro, contudo, a explicação dada por uma militar para a proibição do consumo de bebidas alcoólicas na messe: «antecedentes negativos» – gosto de imaginar o que o eufemismo pode encobrir. A mesma precaução suponho que tenha presidido ao aviso do militar que, antes do hastear da bandeira, nos pediu que, solenemente, não nos ríssemos. O público, esse, só manifestou sincero interesse, no seu nacionalismo de mercenário, na sessão da tarde, dedicada às questões fundamente práticas, leia-se, aos agradáveis salários e confortáveis vantagens de uma carreira de armas. De resto, desinteressadamente suportámos o Dia nublado.

Pouco tempo volvido sobre esta experiência, na longe Lisboa, como que em resposta a esse nacionalismo tépido, o PNR col(oc)ou um cartaz no Marquês, destinado à polémica. Lembro-me de, no Secundário, agarrar um pequeno papel que afincadamente dois jovens distribuíam à saída. Só depois de atravessar a passadeira olhei para o impresso, com uma reprodução da estátua de D. Afonso Henriques e palavras de ordem semelhantes às do cartaz do PNR. Voltei-me veloz para trás, porém não vi já o que desejava descobrir. Atrás de mim, tinha vinha uma rapariga de cor: quanto não gostava de saber se também lhe distribuíram o flyer!

Se narro este pequeno episódio, é apenas para reforçar a ideia de que, longe de ser um fenómeno novo, este nacionalismo anacrónico e desproporcionado tem-se vindo a instalar entre nós lentamente e – aqui reside o busílis do problema – entre grupos jovens. Disso é sintomática a criação, em 2005, da Juventude Nacionalista (JN). O mal, porém, é geral. Há coisa de dois meses, por exemplo, recebi um mail alertando para supostos raptos de crianças por chineses nas suas lojas. Isto é tão xenófobo como o outdoor de José Pinto Coelho e dos seus. Porém, muitos persistem em repassar estas mensagens mentirosas.

Animado pela recente vitória de Salazar n' Os Grandes Portugueses e com a polémica em torno do Museu em Santa Comba Dão, o nacionalismo radical vai ganhando espaço público. Mesmo na Covilhã, onde fui passar a Páscoa, encontrei num mural alusivo ao 25 de Abril a seguinte inscrição, que vim mais tarde a saber, por meio de uma reportagem do Público, ser da autoria da JN: “hipocrisia censurar opiniões”. A frase podia estar gravada no segundo cartaz do PNR na rotunda do Marquês, que recorre a igual defesa. Sinceramente, concordo que mesmo partidos com opiniões desta natureza não devem ser proibidos de expressar os seus pontos de vista, pelo que o vandalismo de que foi alvo o primeiro cartaz me parece não só incorrecto mas também uma resposta medíocre quando comparada com a intervenção do Gato Fedorento. Contudo, o caso não é cómico, antes se reveste de andrajos trágicos, transversal a países cujo futuro inquieta: na Rússia, enquanto Kasparov era preso, uma manifestação de extrema-direita decorria sem entraves. No xadrez estranho do mundo, quem adivinhará a próxima jogada?

o corvo

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