A sociologia é hoje uma das ciências humanas mais fascinantes. Grandes sociólogos, como Lipovetsky, Boaventura Santos ou Baudrillard, figuram entre os pensadores maiores do nosso tempo. A estatística enquanto disciplina matemática (de uma credibilidade anoréctica, resultado da sua instrumentalização pelo poder político) só na sociologia recupera o seu crédito original. Por isso gosto tanto de ler os estudos que regularmente vão sendo publicados, auscultações científicas da vox populi, que nos permitem não raro rever nos números o que, a bem dizer, já vínhamos antes sentindo das conversas de café e das escutas de comboio.
As conclusões do recentíssimo estudo da SEDES, por isso, não surpreendem – mas impressionam, pela certeza que trazem às constatações empíricas. Parafraseando Hamlet, algo está podre no reino de Portugal (e a ASAE não o confisca). Quatro em cada cinco portugueses pensa que a Justiça não trata ricos e pobres de forma igual, nem os cidadãos comuns do mesmo modo que os políticos. Metade afirma, aliás, que é inútil recorrer à Justiça. O portugueses ficaram-se a roer de inveja vendo Madoff, em pouco mais de seis meses, julgado e condenado, quando, por cá, casos como, por exemplo, o do BPN se vão arrastando e dilatando (talvez pelo calor próprio da época estival, como um metal). Pouco serve comentar que os quadros jurídicos dos dois países são substancialmente diferentes, pois para tantas outras coisas cuscamos sempre o estrangeiro – quase acriticamente julgando que, só por ser importada, a coisa há-de ser boa.
Falar de um descrédito da Justiça, como algumas manchetes de jornais a propósito do estudo do SEDES, é não compreender a real dimensão da coisa: mais que um descrédito, encontramo-nos perante uma real ineficácia, a tal ponto que, como revelava uma notícia do mês passado, em Portugal as queixas por violação desceram um terço (única descida entre todos os países estudados) e isto não tanto, claro, porque o número de violações se tenha, de facto, reduzido, mas antes porque as vítimas não vêm qualquer vantagem em recorrer aos tribunais: a taxa de condenação por violação desceu (!) nos últimos anos, inclusivamente.
Poderão alguns argumentar que, não obstante tudo, o certo é que a Justiça começa, finalmente, a ousar afrontar os poderosos. O mais das vezes, porém, nunca chega a vias de facto e, quando acaso tal sucede, sucede tarde. A grande injustiça no tratamento entre ricos e pobres, cidadãos e políticos, será, porventura, não tanto a maior imunidade dos primeiros mas sobretudo a demora dos processos que os envolvem. Não é pois de estranhar que um terço dos portugueses considere que o poder judicial não é independente do político.
Reconheço: pode haver algo de injusto nesta avaliação, tanto mais que nos encontramos perante um dilema. Se a Justiça é eficaz, confirma-se oficialmente a ideia feita de que muitos dos políticos são corruptos (Pacheco Pereira, no sábado, na sua crónica no Público, defendia que os partidos políticos deviam ser responsabilizados pelos crimes dos seus membros). Por outro lado, se a Justiça não condena qualquer político é imediatamente rotulada de ineficaz. Qualquer que seja a solução, pois, uma qualquer instituição vai ver a sua imagem profundamente denegrida, quando não mesmo as duas, de qualquer modo.
Face a isto, preocupa-me que nas faculdades de Direito não se esteja activamente a pensar em soluções para reformar o sistema jurídico, tarefa que está longe de ser exclusiva da Assembleia ou do Governo. Como, de resto, é comum entre nós, o ensino resume-se a uma transmissão de conhecimentos, sem que se exercite a crítica desse mesmíssimo conhecimento. A Universidade continua alheia aos problemas da sociedade: os docentes universitários não se solidarizam com os professores mal-amados da ministra e as associações académicas perseveram no seu autismo que, desatento aos problemas do país, repete o discurso anti-propinas sem originalidade. Falta à Universidade elevar-se a centro de pensamento do país. Por ora, é tão somente uma colecção de departamentos entretidos nos seus legítimos afãs privados. Ao contrário do que dizia Almada, e é este o nosso maior mal, não há Portugal, há portugueses.
Falar de um descrédito da Justiça, como algumas manchetes de jornais a propósito do estudo do SEDES, é não compreender a real dimensão da coisa: mais que um descrédito, encontramo-nos perante uma real ineficácia, a tal ponto que, como revelava uma notícia do mês passado, em Portugal as queixas por violação desceram um terço (única descida entre todos os países estudados) e isto não tanto, claro, porque o número de violações se tenha, de facto, reduzido, mas antes porque as vítimas não vêm qualquer vantagem em recorrer aos tribunais: a taxa de condenação por violação desceu (!) nos últimos anos, inclusivamente.
Poderão alguns argumentar que, não obstante tudo, o certo é que a Justiça começa, finalmente, a ousar afrontar os poderosos. O mais das vezes, porém, nunca chega a vias de facto e, quando acaso tal sucede, sucede tarde. A grande injustiça no tratamento entre ricos e pobres, cidadãos e políticos, será, porventura, não tanto a maior imunidade dos primeiros mas sobretudo a demora dos processos que os envolvem. Não é pois de estranhar que um terço dos portugueses considere que o poder judicial não é independente do político.
Reconheço: pode haver algo de injusto nesta avaliação, tanto mais que nos encontramos perante um dilema. Se a Justiça é eficaz, confirma-se oficialmente a ideia feita de que muitos dos políticos são corruptos (Pacheco Pereira, no sábado, na sua crónica no Público, defendia que os partidos políticos deviam ser responsabilizados pelos crimes dos seus membros). Por outro lado, se a Justiça não condena qualquer político é imediatamente rotulada de ineficaz. Qualquer que seja a solução, pois, uma qualquer instituição vai ver a sua imagem profundamente denegrida, quando não mesmo as duas, de qualquer modo.
Face a isto, preocupa-me que nas faculdades de Direito não se esteja activamente a pensar em soluções para reformar o sistema jurídico, tarefa que está longe de ser exclusiva da Assembleia ou do Governo. Como, de resto, é comum entre nós, o ensino resume-se a uma transmissão de conhecimentos, sem que se exercite a crítica desse mesmíssimo conhecimento. A Universidade continua alheia aos problemas da sociedade: os docentes universitários não se solidarizam com os professores mal-amados da ministra e as associações académicas perseveram no seu autismo que, desatento aos problemas do país, repete o discurso anti-propinas sem originalidade. Falta à Universidade elevar-se a centro de pensamento do país. Por ora, é tão somente uma colecção de departamentos entretidos nos seus legítimos afãs privados. Ao contrário do que dizia Almada, e é este o nosso maior mal, não há Portugal, há portugueses.
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