09 September 2009

Sobre Fobias (Da Tecnologia & Da Democracia)

A Assembleia da República fez-se nova. Não mudaram, (par)lamentavelmente, os inquilinos, mas tão somente a sala das sessões, que foi submetida a uma extensa remodelação com vista à sua modernização: cada deputado, por exemplo, dispõe agora de um computador individual (um Magalhães?) e pode, doravante, fazer uso de materiais audiovisuais nas suas intervenções, graças ao novíssimo sistema de projecção digital. Trata-se de um Parlamento para o século XXI, como o definiu a secretária-geral da Assembleia.
O choque tecnológico chegava enfim à política. Os Verdes já se haviam anunciado prontos a dar pleno uso ao novo equipamento a partir do próximo 25 de Abril. Os deputados, porém, assustaram-se e correram para a mamã, a tratarem de se precaver do choque com airbags vários. Sossegou a mãe toda a gente: devido a “problemas deontológicos”, porque a AR “não é um estúdio de televisão”, as geringonças informáticas serão introduzidas com “pequenos passos”, explicou Jaime Gama, presidente da Assembleia. A projecção de sons, vídeos, imagens e fotografias foi adiada sine die, e a medida, na falta de bom senso, recolheu consenso.
Gastou-se, portanto, cerca de quatro milhões e meio de euros do dinheiro dos contribuintes na remodelação da AR para os deputados terem um moderníssimo sistema de projecção digital que não utilizam, como uma daquelas bugigangas africanas que se compram nos mercados de artesanato, que servem para não servir para nada, com efeito estético apenas. Se essa era a intenção do Parlamento, teria ganho mais em adquirir, pelo mesmo preço, um qualquer quadro menor de Picasso e um bom Gauguin.
Justificam os deputados a sua precaução no usarem as inovações digitais com o facto de não serem conhecidas experiências análogas no estrangeiro. Entendamo-nos, pois: Portugal tem uma vez num século a oportunidade de estar à frente dos demais países – e recusa-se! Se algo não foi primeiro feito lá fora, nós, portanto, não o sabemos fazer, devemos concluir. Se calhar tinham razão aqueles que entendiam haver raças inferiores: a portuguesa!, ou assim pensam os nossos deputados (talvez baseados no juízo que fazem de si próprios).
A mesa da AR está já a trabalhar num esboço de regras para a utilização do sistema de projecção – e neste assunto urgentíssimo se entretêm os nossos representantes. Eis um dilema: ou os deputados são naturalmente sensatos no uso de materiais audiovisuais, e, assim sendo, o conjunto de regras para a sua utilização em que agora se trabalha é desnecessário de todo (mas faz-se, todavia!); ou, pelo contrário, os deputados precisam efectivamente dele, revelando-se como um bando de miúdos entusiasmados por um brinquedo de novo: a quantidade de legislação é inversamente proporcional ao bom senso daqueles que ela governa.
E interrogava-me eu sobre o porquê de tudo isto, do absurdo, quando, relendo a notícia no jornal, vejo que, juntamente com vídeos, sons e afins, foram também expressamente proibidas as “campanhas negativas”. Eis, enfim, o estranho caso explicado, a causa verdadeira de toda a cautela: certamente esta será apenas mais uma das medidas para que o PS se possa proteger das infames campanhas negras que estão a ser movidas contra o seu líder. Segue a AR o mesmo caminho que a câmara da Guarda, que apelou agora para o Tribunal Constitucional para evitar o acesso dos jornalistas à documentação nos seus arquivos referente a Sócrates. Também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social afia os dentes contra a TVI, permanecendo calada face à RTP, concubina da agenda política do poder.
Modernizar o Parlamento, quando metade dos deputados são robôs das suas bancadas (tecnologia de pontíssima)? Modernize-se antes a nossa democracia: reganhemos-lhe liberdade.

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