O jornalismo, hoje, é um exercício de epilepsia: convulsões súbitas, pasmos violentos, ataques breves. Os acontecimentos, pára-quedistas, surgem ex nihilo; uma profunda desatenção à pulsação dos povos e das coisas faz com que tudo pareça, ante os olhos do leitor/espectador comum, irromper abruptamente. Quanto se noticia, é violento, extravagante, extra-ordinário, rompe o ser normal das coisas (e com que força!), move paixões & logomaquias: os telejornais abrem com isso, os editoriais abordam o assunto e Marcelo Rebelo de Sousa comenta. Depois, muito rapidamente, como um Obikwelu, a coisa é esquecida, desaparece, e isto ao fim de meia dúzia de dias (salvo o caso Maddie). O século é futurista: reclama movimento. As notícias consomem-se como chicletes: mastiga e deita fora. Mas algumas insistem em não ir embora – e colam-se à sola do sapato e são uma pedra no sapato e são um peso na consciência.
Progressivamente, as notícias sobre o Irão, que ainda chegaram a fazer a capa de alguns jornais, foram esmorecendo: nos telejornais, agora, aparecem lá para o fim, como um carro-vassoura, e duram menos de um minuto. O petróleo não sofreu com a instabilidade no terreno (a greve geral acabou por não se realizar), e o Irão, convenhamos, fica longe. As imagens, carvão essencial da sociedade do espectáculo, começam a escassear, o que faz mais facilmente mentirmo-nos que tudo está bem. E entretanto Michael Jackson morreu e Cavaco anunciou finalmente a data das legislativas. É tão fácil distrairmo-nos – e, com isso, trairmos: esquecer aqueles que nos pediam que fôssemos testemunhas, que não esquecêssemos.
Os jovens que, feitos repórteres amadores pela necessidade, nos têm transmitido imagens, vídeos e notícias através da Internet, fazem-no para nós, para que saibamos, para que não se perca a memória. Todo o material que nos tem chegado pouco serve directamente à causa; ele é, fundamentalmente, para consumo externo: a TV oficial iraniana não reproduzirá o vídeo de uma rapariga abatida a tiro, como um cavalo, antes, pelo contrário, multiplicou, nestes dias, os filmes americanos na sua programação: contra a realidade, a fantasia (ainda esta semana emitiram toda a trilogia d’ O Senhor dos Anéis). As autoridades, nas manifestações, têm visado particularmente quantos empunham telemóveis, máquinas fotográficas ou câmaras. Esta é uma guerra de informação e ignorar os esforços dos que, a risco da própria vida, graças a toda a parafernália da Web 2.0 (Twitter, Facebook & Lda.), nos têm continuamente mantido informados é com-firmar a vitória de Ahmadinejad e do regime.
Por isso não podemos esquecer, menos ainda negar, como o faz o PCP na última edição do Avante, em que reproduz o discurso oficial do regime, acusando os EUA de ingerência nos assuntos internos do país (esquecendo-se que Obama foi duramente criticado por não ter tomado uma posição mais forte em relação ao Irão). Acreditava, antigamente, que o PCP tinha pelo menos uma virtude: era ideologicamente coerente. Que dizer, porém, agora, quando manifesta a sua simpatia por um regime que ilegalizou o partido comunista iraniano e prendeu milhares dos seus membros? Outros regimes ditatoriais, como China, Cuba ou Venezuela, têm limitado fortemente toda a informação sobre o Irão nos seus órgãos de comunicação: pressentem o medo (Tiananmen foi só há vinte anos).
Paira, por ora, em Teerão, um silêncio de morte [escrevo esta crónica no sábado]. Ontem, à noite, os estudantes sobreviventes juntaram-se na Universidade para uma vigília em memória das vítimas e de quantos tinham sido presos. Não façamos nós, agachados em casa, o erro de esquecer, achar já acabado o que ninguém pode ainda adivinhar como vai acabar:
الله أكبر. Allahu Akbar. Deus é Grande.
Os jovens que, feitos repórteres amadores pela necessidade, nos têm transmitido imagens, vídeos e notícias através da Internet, fazem-no para nós, para que saibamos, para que não se perca a memória. Todo o material que nos tem chegado pouco serve directamente à causa; ele é, fundamentalmente, para consumo externo: a TV oficial iraniana não reproduzirá o vídeo de uma rapariga abatida a tiro, como um cavalo, antes, pelo contrário, multiplicou, nestes dias, os filmes americanos na sua programação: contra a realidade, a fantasia (ainda esta semana emitiram toda a trilogia d’ O Senhor dos Anéis). As autoridades, nas manifestações, têm visado particularmente quantos empunham telemóveis, máquinas fotográficas ou câmaras. Esta é uma guerra de informação e ignorar os esforços dos que, a risco da própria vida, graças a toda a parafernália da Web 2.0 (Twitter, Facebook & Lda.), nos têm continuamente mantido informados é com-firmar a vitória de Ahmadinejad e do regime.
Por isso não podemos esquecer, menos ainda negar, como o faz o PCP na última edição do Avante, em que reproduz o discurso oficial do regime, acusando os EUA de ingerência nos assuntos internos do país (esquecendo-se que Obama foi duramente criticado por não ter tomado uma posição mais forte em relação ao Irão). Acreditava, antigamente, que o PCP tinha pelo menos uma virtude: era ideologicamente coerente. Que dizer, porém, agora, quando manifesta a sua simpatia por um regime que ilegalizou o partido comunista iraniano e prendeu milhares dos seus membros? Outros regimes ditatoriais, como China, Cuba ou Venezuela, têm limitado fortemente toda a informação sobre o Irão nos seus órgãos de comunicação: pressentem o medo (Tiananmen foi só há vinte anos).
Paira, por ora, em Teerão, um silêncio de morte [escrevo esta crónica no sábado]. Ontem, à noite, os estudantes sobreviventes juntaram-se na Universidade para uma vigília em memória das vítimas e de quantos tinham sido presos. Não façamos nós, agachados em casa, o erro de esquecer, achar já acabado o que ninguém pode ainda adivinhar como vai acabar:
الله أكبر. Allahu Akbar. Deus é Grande.
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