
Li no Público de sexta passada que cientistas de Pittsburgh, nos EUA, conseguiram que dois macacos comandassem um braço mecânico, ao qual não tinham ligação física, graças a alguns eléctrodos – da largura de um cabelo humano! – instalados no seu cérebro. Dava vontade de falar em telepatia: o rigor científico não o permite, contudo. A equipa de investigadores salientava a importância desta descoberta para as pessoas gravemente paralisadas, mesmo se a tecnologia ainda precisa, naturalmente, de ser aperfeiçoada. A simbiose entre máquina e homem avança a passos cada vez mais largos. O último número da Sábado, curiosamente, trazia precisamente uma entrevista a Kevin Warwick, o primeiro cyborg da história, ele que já teve instalado um chip que lhe permitia automaticamente abrir e fechar portas ou acender e desligar luzes. O ex-homem-máquina pretende em breve fazer novo implante que deverá permitir comunicar directamente entre dois cérebros humanos, descartando assim a fala, que ele rotula de “barulhos estúpidos” e “forma primitiva” de comunicação.
Como escritor e agricultor da palavra, assusta-me – não me assusta mais porque não me convence – esta possibilidade do fim da linguagem que, de resto, só um cientista limitado pela sua matemática pobre poderia conceber ou desejar sequer. O homem, aliás, não se encontra preparado para uma conversa translúcida, sem a mediação da palavra e do silêncio. Esta nova tecnologia a desenvolver por Warwick pretende também explorar a capacidade de o ser humano interagir com aparelhos tecnológicos meramente a um nível mental, como os macacos de Pittsburgh provaram ser possível. Ainda que um pouco exagerada, a previsão do investigador de que em 2050 os cyborgs serão uma realidade comum não é impossível, nem sequer improvável.
Esta possibilidade coloca-nos perante a questão última: o que é o homem? Subitamente, o indivíduo comum vê-se forçado, por força do futuro que espreita, ao exercício da filosofia. As implicações, contudo, estão longe de se resumirem a esse campo. Os cyborgs, por exemplo, serão preferidos naturalmente pelos empregadores para uma série de trabalhos, devido às suas superiores capacidades, filhas dos seus mais diversos implantes tecnológicos: seremos forçados a criar quotas de humanos puros nas empresas? Não pense o leitor que o presenteio aqui gratuitamente com uma visão apocalíptica do futuro: não receio este cenário, apenas insisto na urgência de o começar a pensar e resolver. A verdade é que o ser humano atingiu as portas do palácio da criação e está à beira de as transpor: podemos, enfim, mudar-nos a nós mesmos, ao ponto de nos confundirmos. Há coisa de duas semanas, o Reino Unido legalizou a criação de híbridos humanos, embriões com 0,1% de material genético de origem animal (essencialmente bovinos ou coelhos). Proclamava um bom professor meu que assistimos verdadeiramente ao nascimento de um minotauro: a mitologia faz-se realidade. O que é o homem, pois?
Filosofia robótica? Precisamos dela, sim; mas também, e muito, de uma filosofia do homem: aparentemente, esquecemo-nos do que é isso (ser homem é duro e mais fácil é não pensar).
Como escritor e agricultor da palavra, assusta-me – não me assusta mais porque não me convence – esta possibilidade do fim da linguagem que, de resto, só um cientista limitado pela sua matemática pobre poderia conceber ou desejar sequer. O homem, aliás, não se encontra preparado para uma conversa translúcida, sem a mediação da palavra e do silêncio. Esta nova tecnologia a desenvolver por Warwick pretende também explorar a capacidade de o ser humano interagir com aparelhos tecnológicos meramente a um nível mental, como os macacos de Pittsburgh provaram ser possível. Ainda que um pouco exagerada, a previsão do investigador de que em 2050 os cyborgs serão uma realidade comum não é impossível, nem sequer improvável.
Esta possibilidade coloca-nos perante a questão última: o que é o homem? Subitamente, o indivíduo comum vê-se forçado, por força do futuro que espreita, ao exercício da filosofia. As implicações, contudo, estão longe de se resumirem a esse campo. Os cyborgs, por exemplo, serão preferidos naturalmente pelos empregadores para uma série de trabalhos, devido às suas superiores capacidades, filhas dos seus mais diversos implantes tecnológicos: seremos forçados a criar quotas de humanos puros nas empresas? Não pense o leitor que o presenteio aqui gratuitamente com uma visão apocalíptica do futuro: não receio este cenário, apenas insisto na urgência de o começar a pensar e resolver. A verdade é que o ser humano atingiu as portas do palácio da criação e está à beira de as transpor: podemos, enfim, mudar-nos a nós mesmos, ao ponto de nos confundirmos. Há coisa de duas semanas, o Reino Unido legalizou a criação de híbridos humanos, embriões com 0,1% de material genético de origem animal (essencialmente bovinos ou coelhos). Proclamava um bom professor meu que assistimos verdadeiramente ao nascimento de um minotauro: a mitologia faz-se realidade. O que é o homem, pois?
Filosofia robótica? Precisamos dela, sim; mas também, e muito, de uma filosofia do homem: aparentemente, esquecemo-nos do que é isso (ser homem é duro e mais fácil é não pensar).
1. Não posso deixar aqui, a este propósito, de saudar a Câmara da Mealhada pela inauguração da nova zona wi-fi no Jardim Municipal.
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