27 July 2008

A Palavra & O Poder / O Poder das Palavras

Logo na primeiríssima crónica deste ano escrevi que as eleições americanas seriam o acontecimento mais importante de dois mil e oito. As políticas dos EUA atingem-nos a todos (o Iraque tem alguma responsabilidade no preço do petróleo que nos inflaciona a gasolina). Contudo, mantive-me calado sobre o assunto. Eis, porém, que agora Obama veio à Europa. Esteve na semana passada em Berlim, onde foi recebido por mais de duzentas mil pessoas. Muitos lhe louvaram o discurso; outros, contudo, repetem que são apenas palavras bonitas.
Quando se fala de Obama, o seu exímio manejo da palavra é apresentado como fraqueza. O discurso político actual, de facto, fundamenta-se não tanto na palavra, mas muito mais no número. A estatística foi a ciência que triunfou e essa matemática corrompida despejou as palavras do seu significado, só pelo pecado delas não serem números também. No império da imagem, a própria palavra foi reduzida a esse estatuto superficial. A política, em última análise, destruiu a língua, de tanto ter escavado às palavras o seu significado real, para, vazias, as usar a seu capricho e sem que implicassem um compromisso. Por isso, ninguém acredita no que dizem os políticos, porque não há nada ali para acreditar: as palavras estão ocas.
O milagre de Obama foi ter reinventado a língua, como se cada palavra nascesse quando ele a pronuncia. Em Obama, as palavras são o que são, com todo o seu peso. O homem moderno esqueceu-se que o poder da palavra é infindo: Deus criou o mundo falando. Obama voltou a ancorar a palavra na realidade, devolvendo-lhe a sua essência, o seu significado. Daí o sucesso da sua campanha: já não nos recordávamos do que era a verdade a palpitar debaixo da pele das palavras. “Palavras, palavras, palavras”, assim resmungam os detractores de Obama. Este é um mundo mais pobre, este a que chegámos, este, dos ateus da palavra. Percebe-se. Vai-se a uma livraria e os romances, na sua maioria, não dizem nada, são fracos, mas volumosos, todavia. A palavra enquanto processo de enunciação e revelação da verdade oculta das coisas e da vida tornou-se uma arte pouco praticada. Políticos prometem o que nunca quiseram cumprir.
E eis que chega alguém que nos recorda a função primordial do verbo e nos convence do poder verdadeiro das palavras verdadeiras de mudarem o mundo. Change: mudança – é essa a palavra em que Obama permanentemente insiste. Quando se repete muitas vezes uma mesma palavra, duas coisas podem acontecer: ela fica descalça de todo e qualquer significado que possa ter, como sucedeu na política moderna, ou concretiza-se, porque a palavra é mágica (é nisso que acreditam as crianças, como dizia possivelmente Proust). Só quem odeia a poesia pode não gostar dos discursos de Obama e, rancoroso, criticá-los pela sua força. Obama recolocou a palavra, inteira e concreta, no centro da política, onde ela antes era só uma muleta.
“We are a people of improbable hope”, “Somos o povo de uma esperança improvável”, confessou o candidato democrata, em Berlim, na semana passada, naquele que nem foi um dos seus discursos mais brilhantes, mas onde, porém, pululavam pequenas pérolas como esta. Tudo é improvável na campanha deste homem: até a sua vitória está longe de ser certa. É improvável também que Obama consiga levar a bom porto todas as suas propostas ou que cumpra com sucesso tudo quando promete: quando, porém, fala, o que diz, di-lo convicto e sem disfarces. Quando Obama diz emprego diz emprego e não diz votos. E isto é uma revolução. Qualquer que seja o resultado das eleições em Novembro, Obama conseguiu já o que eu teria considerado impossível para os homens de hoje: restaurar a fé perdida nas palavras. Obrigado.

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