O meu invulgar interesse remontava já ao Verão, altura em que pela primeira vez contactara, numa notícia de jornal, com o projecto. Como o próprio nome indica, neste novo jogo de estratégia, contrariamente ao que sucede nos clássicos do género, o objectivo não é tanto a eliminação física do adversário mas sim a coexistência pacífica. Se o didactismo e inovação inerentes a este conceito seriam suficientes para que o projecto fosse louvado, este reclama maiores aplausos por servir-se de um conflito real para o seu propósito. Assim, o jogo reproduz, com fidelidade e ilustrando com vídeos e imagens, o problema israelo-palestiniano.
O jogador pode optar por desempenhar o cargo de presidente da Palestina ou primeiro-ministro de Israel, em três níveis de dificuldade diferentes: calmo, tenso ou violento. Dispondo de um vasto leque de acções ao seu dispor, o utilizador tem essencialmente de tomar decisões, com cujo resultado é confrontado no fim do round, e que não só condicionam as suas escolhas como influenciam todos os outros poderes em jogo, como o Hamas, os EUA ou a ONU. O jogador estará tanto mais perto da vitória quanto melhor conseguir reunir o apoio dos vários intervenientes na cena política, preparando-os e preparando-se para o difícil caminho da paz.
Os jogos didácticos tendem a não agradar aos jogadores normais, por raras vezes conseguirem ter a mesma qualidade de outros títulos do mercado, saídos dos grandes estúdios. Tendo já mostrado Peacemaker a alguns amigos meus, não é essa a impressão que tenho: o jogo, que creio ser peça de um mundo melhor para um mundo melhor, representa um verdadeiro desafio – talvez porque o problema em que se inspira é ele mesmo um dos maiores desafios da sociedade actual. Ainda no final da semana passada, reuniram-se em Meca o presidente e primeiro-ministro da Palestina, sob os auspícios do rei saudita, para procurarem pôr termo, pela formação de um governo de unidade nacional, à guerra civil. Islão significa paz, etimologicamente. Que as raízes da palavra mergulhem na terra.
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Faz hoje uma semana que o P.e. Abílio faleceu. Não posso deixar, dolorosamente, de o evocar aqui. O P.e. Abílio, sob o seu frontispício de rigor e precisa exactidão de latinista nas palavras e nas coisas, era também um espírito cómico, de subentendidos humorísticos de uma elevação rara, sempre perspicazes e bem-dispostos. Professor nato, nunca se escusou a pôr ao serviço dos outros – e que é a vida de um padre senão o serviço? – os seus conhecimentos, quer fosse na tarefa de revisor deste jornal (quantas vezes a sua paciência e lápis me limaram – como num trabalho de ourives – as crónicas!), quer fosse no exercício do professorado: na escola, no seminário ou entre os imigrantes, quando começou para eles aulas de português. Como pároco, o seu trabalho é indesmentível e duradoiro – fui relembrado disso quando, no sair triste e lento da igreja, revi as duas placas que ladeiam aquele hall. O P.e. Abílio, estou certo, permanecerá muito mais tempo connosco que aquele que nós permanecemos com ele.
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