A autópsia foi conclusiva: o infante estava clinicamente morto (mentalmente, há muito assim se achava). As causas exactas não se revelaram claras e os doutores em brancas batas hesitam e ponderam. Os maus tratos familiares terão levado a tal defunto Estado? O espectro da cabala, que hoje tudo domina, floresceu logo numa tese da conspiração. Um corte da ficha de alimentação podia, se podada fora a energia à incubadora do perecido, ter precedido a extinção deste e à sua jovem morte conduzido. E, pena do menino!, foi estranho também seu caso, mas o acaso não se lhe deu para que também este em bamba corda estivesse no morre-acorda do velho Arafat! Ia ser circo divertido de acompanhar...
De circo, já cercados fomos porém durante estes últimos quatro meses que, enfim, se acabam! Caibam aqui todos os números do espectáculo e logo vo-los mostro! Deles, porém, só amostra curta esta crónica acarta, que nestas linhas pouco espaço se arranja sobre o desarranjo do governo e do país. Eis, pois, que enfim o presidente fora manda Santana e o seu populista mando! O mundo santanista que governou esta nação rui por fim! Santana com as suas trapalhadas súbitas foi na semana volvida rejeitado, depois de ajeitado seu governo na quarta anterior. As chaves do poder lhe foram tiradas, depois de se retirarem pelo próprio pé no domingo de há uma semana atrás. E com essa saída do henriquino Chaves de alma traída, a terra se começou a fender para Santana...
Duvido que mais gozo tão divertido tenhamos tido do que nesta curta ocupação do trono por Santana. Honremo-lo: ele foi o nosso Bush, até este presidencial Putsch. Na sua prática do contraditório, entreteve o lusitano auditório, como se de revista do seu parque Mayer restaurado se tratasse. O preço do bilhete foi, contudo, exacerbado: a conta (e a Compta) foi ruinosa. E no deserto político e social a que chegámos não se vê oásis, nem sequer aquele que ele ergueu na larga Praia da Claridade.
O extracto detalhado do talão do concerto mostra o que por consertar ficou. Pior, revela o gosto macabro dos seus actores nas desgraças que eles fizeram subir ao palco. Nem o pó de talco das assessoras de imagem de Santana lhe valeu. O espectáculo foi, no mínimo, mórbido. Primeiro acto: a espera das listas– uma reflexão metafísco-prática sobre a influência das máquinas na sociedade moderna e o controle exercido pelos computadores sobre o indivíduo. Segundo acto: o silenciar os incómodos- um ensaio sobre o lixo televisivo acompanhado de algumas considerações sobre a influência manipuladora dos mass media e passos para a instauração no país do regime italiano de controlo da televisão pelo primeiro-ministro. Terceiro e derradeiro acto: quinta lição de xadrez sobre o movimento conhecido por roque, em que se rodam duas peças nucleares de modo a que uma mais crítica fique mais “resguardada”, num gesto cujas designações linguísticas variam entre reajuste e remodelação, dependendo do ponto de vista. Fim.
Sim, de mau gosto no mínimo, este teatro. E o seu actor principal pôs agora em xeque o seu partido, que agora partido o queria ver para outros lados. Mas como, quando no congresso apoio mais expresso lhe investiram nas urnas? E para as furnas atrás do líder a laranja se vai enchendo de bolor... Parece que nem o astral salvará Santana no final: sua astróloga nos confessa que o tempo derradeiro dele se apressa, pois que o ano dele, a crer no chinês calendário, se encerra agora– aproxima-se a última hora do Macaco!
Com certeza, ela com firmeza avança, ainda com data não estabelecida. Provavelmente, conta-se por aí, virá mascarada e disfarçada. Estou deveras convencido de tal, pois a sabedoria popular não se engana e já ela mo revelava num velho conto da minha meninice, que alguém nomeou de ‘O Pedro e o Lobo’. Pedro acorre ao vale em falso alarme e as gentes o socorrem aflitas, para constatar a mentira. Mas atira Pedro de novo essa calúnia à cara do povo, e eles o acodem e o mesmo que antes verificam. Uma terceira vez, quando de facto o terror sucede, e o lobo vai fero devorando as ovelhas, e Pedro busca auxílio, das gentes só acha exílio. Quem mente, há-de vir a altura em que, precisando mesmo, nem mesmo a verdade convencerá. Está na hora de Santana compreender essa lição. ■ o corvo
Publicado a 8 de Dezembro de 2004
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