Estamos a um dia do dia de Reis, que encerrará a quadra natalícia. Entretanto, passámos de ano e começamos a avançar no ainda tenro mês de Janeiro, que se vai desbravando pouco a pouco. Atordoado talvez por estas mudanças cronológicas, estava-me a ser difícil achar assunto para esta crónica, pelo que resolvi fazer dela um cacho de pensamentos sobre o tempo que passámos e o espaço mudado em que agora caminhamos quotidianamente: a nossa terra.
Foi pois assim que no último dia do ano já ido comecei a minha peregrinação pelas paisagens mealhadenses. Se buscava achar algo de novo, tinha, obrigatoriamente, de começar tal caminhada na maior novidade que a terra ergueu: a sua ínclita biblioteca. O parto foi longo, sucessivamente adiado para desespero daqueles que, de forma peripatética, percorriam círculos na sala de espera. Mais dramática a demora foi quando se viu feita a biblioteca e esta apenas esperava o recheio que lhe competia guardar. Que tal período se arrastasse tanto constituiu uma situação quase degradante, acima de tudo exasperante, para os sequiosos de descobrir o nosso edifício do saber mealhadense, agora posto mesmo no centro da cidade.
Na demora tão longa de tudo acontecer podíamos ver um símbolo de como tarda o saber, cuja vinda foi abrandada por um concurso público de mobiliário. Chega quase a ser ridículo, um paradigma de todo o país nosso. Por burocracias que se arriscam a superar os piores pesadelos de Kafka, tudo se delonga conduzindo à loucura qualquer um. E depois, espantam-se os médicos que Portugal seja dos países onde mais anti-depressivos se consomem! Por sorte, não sofri tanto com o atraso de abertura da Biblioteca Municipal que tivesse de tomar um Prozac.
Valeu a pena? Confesso que sim. Deixo de lado a pena satírica, que sou obrigado a elogiar a obra com que nos presentearam, obra essa duma grande qualidade. A BM (Biblioteca Municipal) é de facto um espaço aprazível e onde se respira e vela pelo gosto pela leitura. O espólio literário é devedor de certas contribuições que se fizeram e que só contribuíram para enriquecer mais a quantidade de livros que, esperemos, seja sempre crescente, tanto em número como em qualidade. Mas não só de livros são hoje feitas as bibliotecas. A BM está apetrechada de vários computadores modernos, bem como dum espaço de audiovisuais onde se podem ver comodamente DVDs vários. Também nela achamos um confortável espaço para a leitura de várias revistas, cuidadosamente seleccionadas. Os mais pequenos têm um espaço que é monopólio seu e os deliciará. Fiquei, de facto, deveras surpreendido com a qualidade, material e literária, da Biblioteca e espero poder regressar lá várias vezes, que bem me deixou esse desejo.
Continuei pela avenida abaixo, a tal semaforizada, com semáforos já sem botões para os peões carregarem para mudar a cor do sinal. Não que isso lhes interesse muito: verde ou vermelho, sem carros, é tempo de passar. De facto, parece-me que concelho da Mealhada e sinais de trânsito não são duas expressões muito compatíveis: basta olhar para as recentes alterações no Luso, de modo nenhum felizes. Indo portanto por essa rua, descubro um grande painel branco, ainda embrulhado em plástico transparente, daqueles em que se colocam cartazes publicitários. Poucos o notaram, mas já está lá um cartaz pronto a ser revelado, que surgiu a meus olhos, quando eles se aproximaram bastante do curioso alvo painel, como um verdadeiro roteiro da Mealhada, fazendo uma apologia da terra e as suas virtudes. Esse é pois o lado reservado pela câmara. A mania de ser cidade ainda não abandonou a Mealhada.
Cheguei-me à praça do Choupal onde se resolveu instalar recentemente alguns bancos. Aproveitei para me sentar e descansar. Tenho de admitir que conferiu àquela zona todo um ar dum imenso jardim, que a tornou num belo sítio para se passear, ainda que a sua vegetação não seja mais que erva bem aparada e algumas árvores. Lá achei igualmente uns caixotes do lixo cinzentos, que enviam os meus pensamentos sempre para a minha escola, que possui uns exactamente iguais. Vê-se que há um esforço para uma Mealhada mais limpa. Os caixotes é que não são propriamente dos mais belos...
Ali bem perto, não pude deixar de contemplar o ainda em construção Arquivo Municipal, essa magnífica obra de arquitectura moderna, com tanta cor que parece um desenho dum menino de cinco anos e que tem as letras que o identificam todas tortas. É espantoso o imenso esforço que se fez para harmonizar o Arquivo, que as árvores nuas agora revelam claramente, com os prédios envolventes: as cores, por exemplo, combinam perfeitamente (o castanho tem imensa afinidade com o verde pálido e o vermelho forte, todos o sabem). É um belo sítio para se concluir uma peregrinação, pensei eu.
Voltado a casa, percorri os diversos canais em busca dos programas respectivos de passagem de ano. A criatividade das estações televisivas apanhou-me de surpresa: a TVI passava o ano (de novo) à espera da vitória já de todos antecipadamente conhecida do José Castelo Branco; a SIC servia mais Herman e a RTP parecia que tinha ido buscar o programa do ano anterior e se tinha limitado a alterar as referências a 2004 para 2005. A nossa televisão é muito original. À meia-noite, apareceu a Superbock a fazer a contagem decrescente nos três principais canais. Foi talvez a única coisa diferente dos anos anteriores- a publicidade não era a mesma, o que me perturbou, pois não aceitei logo aquilo como a passagem de ano, que agora não é mais do que outro produto comercializável do capitalismo. Bem, as pessoas embebedaram-se e ficaram felizes. Viva 2005! ■ o corvo
Publicado a 5 de Janeiro de 2005
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