Alguns dir-me-ão ignorante e um filho da massa. Mas a minha opinião é descendência somente de mim próprio. O que aqui venho anunciar é a decadência do cinema português. O cinema português está morto. E o pior é que na sua urna cerrada vê a casca de noz que era o universo onde Hamlet era rei! E assim cego vai...
Há poucas semanas estreou nas salas portuguesas o mais recente filme de Manoel de Oliveira: ‘O Quinto Império – Ontem como Hoje’. E, de facto, eu anseio pelo Quinto Império do cinema nacional, essa utopia tão bela!, porque ontem, como hoje, a sétima arte lusa morre, morre lenta, e não virá mais numa manhã de nevoeiro, que as bilheteiras só abrem à tarde. A fita mais vista no ano passado (‘Shrek II’) teve o quádruplo dos espectadores de todas as películas lusitanas juntas. E, curioso!, anexo ao artigo onde o soube, expressava-se o espanto de incompreensão desta situação, não percebendo ninguém ao certo o sucedido.
Ai, é este argueiro na vista que nos tolda! E com uma trave assim cravada no olho, dificilmente a câmara sonha com beleza na sua imagem, que nunca se viu míopes fazendo fitas, só neste país onde tudo ocorre e decadente o cinema morre. O cinema português está invadido por um complexo de inferioridade, por uma arreigada convicção da existência duma sétima arte própria e lusitana, mas a tal ponto o filmado é típico português que as salas se enchem na sua contemplação. Ah, ironia, quão doce és! E ah, cegueira, quão oportuna!
E falam que é arte o que o ecrã grande revela a meia dúzia de loucos que se aventuram no deserto de Alcácer-Quibir da cinematografia lusa, e afirmam que é genialidade. Não, não é arte nem génio, é mau jeito. Há quem, como a revista francesa Cahiers du Cinéma, exalte João César Monteiro (o homem por detrás da absolutamente negra ‘Branca de Neve’) e Manoel de Oliveira. Mas hei de dar crédito a uma revista elitista, desfasada, que manifesta uma falta absoluta de respeito pelo leitor/espectador? Insultando o público só resta mesmo elogiar o realizador; se não, quem compraria tal publicação?
Não, não é arte nem génio, é mau jeito e é mau gosto. Os filmes portugueses pecam em cada cena que a bobina descobre e ao espectador expõe. Primeiro, em Portugal não há uma classe de actores, mas há muitos actores sem classe. É frustrante saltar de película em película e achar sempre os mesmos actores, eternamente, como se cá dispuséssemos somente desses poucos que se repetem em cada monótono filme português. Segundo, as partes técnicas da fita são descuradas duma forma repugnante. Raras, raríssimas!, são as bandas sonoras; o tratamento de som é nulo; o de imagem, menor; e os argumentos, frequentemente, são inócuos e enfastiadiços.
O cinema português é claustrofóbico. Porém, eficaz é o seu acérrimo esforço para exorcizar os espectadores. A cinematografia portuguesa carece terrivelmente dum sentido de marketing. Eu não posso honrar um morto cuja existência (falarei melhor se escrever não-existência?) desconheço. O nosso cinema é um fantasma que, infelizmente, não assombra nada, muito menos o escuro das salas de cinema– essas são para ele casas abandonadas. «Existir é ser percebido.», dizia Berkeley, e o cinema português não existe porque não é percebido, notado.
Mais grave, porém, é quando isso tenta. Os produtores portugueses não têm noções cinematográficas. E, assim, se parte numa loucura sebástica para a feitura dum trailer. Para o homem de cinema português, um trailer é uma cena tediosa do filme passada a eito. Para além do mais, os filmes circulam nos círculos restritos de Porto e Lisboa, mas como podemos ansiar que eles mais se espalhem pelo país se não são vistos? Este é o nosso ciclo vicioso...
Anseio pelo dia em que alguém tiver a coragem de fazer um filme dito americano (esse conceito vago que define para o invejoso cinema nosso tudo o que tem sucesso) em Portugal. Dito curto, um Filme (escrito com letra capital). Nesse dia os corvos– minha raça!– poderão rejubilar-se com os cadáveres de fitas passadas enfim enterradas (que elas agora ainda se contorcem em convalescença funérea). Nesse dia, terá nascido o Cinema Português: é a aurora do Quinto Império, e o Ontem não será como Hoje. ■ o corvo
Publicado a 16 de Fevereiro de 2005
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