26 February 2005

Partidário

Na rotunda da Nacional 1, que atravessa a Mealhada como um rio e que deixa que se vire para Casal Comba, confrontam-se dois grandes cartazes, um socrático, outro santanista. Sendo pendulares minhas migrações, todos os dias os confronto e sucessivamente, estranho!, eis que encontro o socialista rasgado, mal colado ou desaparecido. Não percebo o bizarro caso, se vem de humano ou natural erro. O que é certo é que o laranja, desta feita, não fez publicidade enganosa: resiste realmente colado às chapas metálicas onde o puseram «contra ventos e marés».

Esses cartazes, que agora aí se erguem, continuam estrada fora até Coimbra, onde não menos inocente é a campanha. É de espantar ao forasteiro os ternurentos anúncios que pululam na cidade, anunciando a «brevemente uma realidade» do hospital pediátrico que enfim chega para substituir o já rendido à idade. O que é curioso é que esse novo edifício de Coimbra só agora vê começados os alicerces. É um brevemente demorado, aquele que nos prometem, se considerarmos que em Portugal não há obra sem atraso, como a Biblioteca da Mealhada...

Esta campanha, neste período do campeonato, surge suspeita a meus olhos e a de tantos outros, nomeadamente a CDU, que já contra ela protestou. Mas as diversões desta pré-campanha não se fecham aqui. Ainda na mesma cidade, foi com surpresa (já devia há muito ter aprendido a não me espantar com estas estultices que grassam pelo país!) que reparei num cartaz do CDS desgastado pelo tempo e uso que ostentava uma velha lista de candidatos por Viseu. Erro da agência que devia colocar os cartazes, que acabou por cobrir o erro com um anúncio do PSD. No mínimo caricato, mas não o é toda a política portuguesa agora?

Temos pena que o espectáculo das listas tenha durado tão pouco, pois quão divertido se afigurou! Auto-retrato da política portuguesa. Os dois únicos partidos com possibilidade de ganhar mostraram gostos e práticas masoquistas, com facadas auto-infligidas, se quisermos utilizar a mais recente terminologia política. Meio PS atacou PS, protestando pelos lugares atribuídos nas listas, e o mesmo, em escala mais grave, sucedeu com o PSD. A ânsia de poder causa sempre conflitos. É uma virtude desse pomo da discórdia que tantos almejam.

A situação política que temos em Portugal neste momento é, nalguns fortes aspectos, análoga àquela da América em Novembro passado. A escolha no país para lá do Atlântico era complicada: quer um, quer outro dos candidatos não se revelava minimamente competente para o lugar; se Bush já tinha esbanjado provas da sua inabilidade política, Kerry também não oferecia muito mais segurança nem uma visão para o futuro animadora. O panorama luso é uma réplica menor deste: dum lado, temos Santana; do outro, Sócrates; sem que nenhum se apresente como um sério estratega que possa solucionar as questões do país.

A alternância irritante e partilha do poder entre estes dois partidos maiores, apenas quebrada pela entrada do PP nestes dois últimos governos, é desanimadora. Basta observar o sector da educação, aquele que me atinge mais directamente, que tem sido alvo de sucessivas reformas de inúmeros governos, que não conseguem acordar num modelo pedagógico. Em Portugal, não se consegue ter um fio unitário de poder coerente: cada governo resume-se a moldar as coisas à sua forma, não reciclando o que herdou, mas destruindo-o por completo.

De facto, este é um mal intrínseco à democracia do nosso país. Para que um partido da oposição possa alcançar o poder, tem necessariamente de contrariar e combater as medidas tomadas pelo executivo em posse. Se prometer o mesmo, ninguém votará nele, pois que compensam as rédeas do poder em mãos diferentes para o mesmo galope? Só certificando que vai alterar as políticas do governo a que se opõe nas mais diferentes áreas é que a oposição pode ansiar sair vencedora nas urnas. Em conquistando S. Bento, logo renega e deita fora as velhas medidas anteriores e tudo renova e faz a seu jeito. Mas quatro anos depois, o mesmo lhe sucederá. E, assim, nos achamos presos neste ciclo vicioso...

Há que dar um sinal aos partidos de que este esquema caducou e é inaceitável: só com uma maior cooperação entre todos podemos aguardar algo de melhor para Portugal. Mas ninguém pode cooperar chamando-se de oposição...o corvo

Publicado a 19 de Janeiro de 2005

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