26 February 2005

Controlo com trela

Era inevitável, como meia dúzia de coisas o são na vida. Há sempre esse grupo que se deixa domar pelo destino que fatalmente, inexorável, sobre nós tomba. Como acto de rebeldia, podemos tentar escapar, mas o nosso fado aproxima-se então do das tragédias helénicas: quanto mais o herói da sorte marcada se esquiva, com mais renovado fulgor nele o destinado se criva. Foi pois vã a minha “glória de mandar”, emendar meu capricho foi a única saída. Saúda pois meu teclado, agora, esta crónica nova, e que a escrita se apresse, que a pressionam e aprisionam por esse país luso em uso nocivo.

Não tentarei aqui discorrer sobre a corrente central da acesa polémica, a martelada questão marcelina. Para quê invocar os personagens desta comédia tão badalados a cada badalada do relógio nos noticiários televisionados, em nome dos quais tantas canetas já foram sangradas, tantos cartuchos despejados de impressora? Dá a impressão, contudo, que com tudo o que dactilografado foi, só mais confuso se acha agora o mais vulgar lusitano. Não comente eu pois o comentador, despeça-se a crónica desse despedido por pé próprio.

Sim, o caso maior do professor cegou-nos, chegou-nos para alertar para a utopia em que vivíamos, mas não para nela melhor repararmos; nem para a repararmos, construindo uma verdadeira livre expressão sem pressão. Os mais recentes episódios passados na RTP desenterraram as velhas frases dum já conhecido ministro. Atente-se no atentado à independência televisiva que constituem as declarações do ministro da presidência. Como reagir quando se refere que são necessários “limites à independência” do operador público, que há que haver “uma definição por parte do poder político acerca do modelo de programação” desse mesmo canal, e se conclui dizendo que “a RTP ainda tem um longo percurso [a percorrer] a nível dos conteúdos”?

Anunciou pois o sargento Sarmento que a programação da RTP é competência estatal. Estatela-se desajeitado com tais impensadas afirmações o senhor ministro, ao qual aqui ministro minha veemente crítica, repreendendo aquele que assim vai prendendo esse direito tão fundamental! Mais se reforça a minha convicção quando leio, com espanto e admiração, a invocada e justificativa razão para esse intento. Sem tento defende-se Morais argumentando que “não são os jornalistas nem as administrações que vão responder perante os eleitores”. Ó leitores, como se preocupa o santo ministro tanto connosco, nós que às urnas, armas nossas, iremos!

Que vê ele na sigla de RTP, que significado oculto? Quiçá, Rádiotelevisão do Partido? Ou, tendo em conta a necessidade de pensar nos votantes, será porventura Rádiotelevisão da Propaganda? Rádiotelevisão do Pedrinho? Qualquer que seja aquele que o ministro mais prefere e deseja, será sempre uma Rádiotelevisão Parcial, e não uma Rádiotelevisão da Palavra. Uma palavra livre e plural. Basta observar o que sucedeu agora tão recentemente! Até os Santos são corridos! Valha-nos a Alta Autoridade para a Comunicação! Aquela, cujas conclusões o ministro acusa de falta de credibilidade: crédito não tem é o Estado (até mesmo nos seus cofres!). Estejamos cientes: calados e calcados se acham hoje os nosso direitos de expressão!

E do ecrã pequeno para a vida saltam mais exemplos do controle de que falo. É no desporto, o dragontino treinador espanhol, castigado pelo frustrado desabafo: “Isto é falta!”. Pois é falta, é! É falta de liberdade! E que dizer do cidadão pombalense que alega ter sido despedido por pressões da sua autarquia junto da sua empresa, por o munícipe ter um blog no universo cibernético em que criticava a câmara? Ah!, e não se salte o problemático assunto da direcção renovada do ilustre Diário de Notícias! E como sob tudo isto a manopla da manobra ilegal paira, e pára assim, discreta e secreta, o que perturba a turba dos interesses estabelecidos!

Sim, altere-se o provérbio! “Quem cala, consente” é adágio que a adaga dos tempos modernos últimos se encarregou de matar! Fale-se hoje antes o oposto “Quem cala, discorda”. Pois é a seita de interesses que não aceita o ‘contraditório’ que cala. Cala o eminente e o menor. (Ao menos no calar há igualdade neste país!). Mas há uma certeza e dela faço minha conclusão desta crónica triste, com Alegre citando: “Há sempre alguém que diz não”! o corvo

Crónica Inédita

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