A actual situação do Líbano sitiado sentou-se connosco às refeições. As televisões passam os desenvolvimentos da crise do Médio Oriente, intermitente entre uma novidade desportiva e uma politiquice nacional. Entre os que vêem, há os que ignoram – como ignoramos todos já, pacificamente, os mortos iraquianos; há os que lucidamente compreendem as implicações do conflito – como a subida dos preços do petróleo; e os que, como eu, olham ineditamente, preocupados pela presença de um amigo no epicentro do combate.
O frustrante na guerra que neste momento sacode o Líbano é o estado de inocência e impotência do país em causa, massacrado numa guerra que não é a dele. Num blogue libanês chamava-se a atenção para as declarações de Bush «De forma a poder lidar com esta crise, o mundo tem de lidar com o Hezbollah, com a Síria e continuar a trabalhar para isolar o Irão.» O autor do blogue interrogava-se, chocado, onde, neste discurso, aparece a palavra Líbano. Semelhantemente, deparando-me com um artigo de Pacheco Pereira, notei que, em três quartos de uma página A3, só uma vez o Líbano é referido, sem ser sequer, na alusão, o objecto da mesma. A pergunta que emerge é, de facto, porquê o Líbano.
Ninguém concebe que um país, que tão recentemente passou por uma revolução política – a Revolução dos Cedros – possa ter um governo suficientemente forte para expulsar uma organização essencialmente terrorista do Sul do seu território – sobre os problemas enfrentados por estes novos governos, basta olhar a crise que a Revolução Laranja atravessa na Ucrânia. É utópico responsabilizar o governo do Líbano pelas acções do Hezbollah – porém, é isso que Israel já afirmou procurar.
No jogo da política de que todos, meros cidadãos, somos somente peões, o Líbano aqui é só um bode expiatório, o palco de embate de potências alheias. Quem está por detrás do Hezbollah é a Síria. A prova de que é este, verdadeiramente, o país que deveria ser responsabilizado é a confissão de Bush, na cimeira dos G8, julgando os micros desligados: «O que eles precisam é de fazer com que a Síria convença o Hezbollah a parar de fazer esta merda, e acabou». A Síria, não o Líbano. Julgava os israelitas mais cultos que Bush em Geografia.
Pode-se argumentar que é no Líbano que está alojado o Hezbollah. Porém, o país que Israel, em sua defesa, possivelmente deveria legitimamente bombardear seria a Síria (ou o Irão – o único que, verdadeiramente, está a ganhar com tudo isto, com as atenções a serem desviadas do seu programa nuclear). É certo que os campos de treino do Hezbollah estão no Líbano – mas tal não justifica a necessidade de destruir um país fénix que, pela abundância de guerras que o trespassam, continuamente se vê forçado a reconstruir-se. De facto, de que servem campos sem dinheiro (Síria)? De que servem campos sem instrutores (Irão)? A acção mais espectacular do Hezbollah até agora, segundo Israel, deve-se à presença de Guardas da Revolução iranianos no terreno.
Uma sondagem estranhamente equilibrada no site da Al-Jazira procurava determinar o responsável pela crise – só um país aparecia absolvido, com 0% dos votos: o Líbano. Não que uma guerra contra a Síria ou o Irão deixasse de ser preocupante. Uma guerra é sempre um acto lamentável: pode ou não ser reprovável – e, tendo em conta o alvo e o género de ataques, esta é, indubitavelmente, uma das que encaixa na segunda categoria.
0 comments:
Post a Comment