A 13 de Outubro – esse dia de azar, sexta-feira – a Academia do Nobel (dispensa-se a leitura à la Saramago) galardoou Muhammad Yunus com o Prémio Nobel da Paz 2006: sorte grande dos pobres! A 2 – o único canal que vale a pena ver, agora que o Dr. House acabou na TVI – emitiu sábado passado um documentário sobre a revolução, como dom, que este professor de economia ofereceu aos miseráveis (num tempo em que Vítor Hugo já morreu). O conceito de microcrédito, patenteado por ele, é tanto mais fascinante quando compreendemos que não se trata, como inicialmente seríamos tentados a fazer, habituados que estamos, de um donativo de caridade, mas sim de um verdadeiro e formal empréstimo, inclusive com juros. Eis que o capitalismo – esse bicho amorfo que uns viam castrado de fazer bem – se mostra, esplendoroso, pela coisa simples, mas nunca antes experimentada – a solução esperada.
É notável o relativo pouco destaque que alguns meios de comunicação social deram ao anúncio norueguês, mas tristemente mais espantoso é como pessoas com a têmpera de Yunus permanecem ostracizadas pelos media, por escolha destes últimos: em contrapartida, uma revista de há duas semanas noticiava com importância que José Castelo Branco tinha sido contratado para um circo. É que Yunus não devia ser propriamente desconhecido: só este ano, já tinha sido galardoado com o Prémio da Paz de Seul e o Prémio Madre Teresa. Entristece-me mais ainda, contudo, saber que, para o ano, poucos se recordarão do nome deste filantropo – para não querer ter de admitir que, se um inquérito fosse feito, provavelmente já agora quase ninguém reconheceria o nome Muhammad Yunus no nosso país – país em que, de resto, pouco valor parecem ter os direitos humanos, quando, numa recente sondagem do Público, 41% dos portugueses é a favor da pena de morte para homicidas e dois terços defendem a legalização da prostituição: nitidamente, ainda não viram Transe, o novo filme de Teresa Villaverde.
Porém, hoje é o dia em que a minha esperança não se abala. Se há quinze dias, em «Fotografia», constatava a naturalidade do mal, hoje é o tempo em que revelo a inversão das coisas, e da fotografia fico com o «Negativo»: a possibilidade, tão real quanto a outra, de o ser humano ser agente de bem. Provas, como dons, apresentam-se, para quem as queira detectivar: esta semana que passou foi a Semana para o Mundo Unido, promovida pelos Jovens para a Unidade; este domingo em que redigo a crónica, é Dia Mundial das Missões; e, no anterior, pomposa e grossa, mas justa e merecida, assistimos todos, concelho, à magna celebração dos ínclitos cem anos da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada – realidade tão próxima (e tão necessária) de nós que mais me ratifica esta certeza da bondade.
Algures no documentário já aqui referido dizia-se que a dignidade humana passa, entre outras coisas, por não ser pobre. Numa sociedade como a nossa, em que as crianças vilipendiam os pais no peditório de um 3G – e, maior agravo! – os pais as satisfazem, essa dignidade passa também por não ser demasiado rico, ou, antes, por saber pôr a riqueza nas coisas certas e duradouras – e saber dar, numa cultura de ter. Já na homilia da missa de 15 de Outubro, D. Albino Cleto apontava essas palavras no Evangelho do dia. Podemos sempre indagar que diferença fará o nosso contributo, mas aí são válidas as palavras, sobre o microcrédito, com que Yunus fechou o documentário e com as quais termino: «Quando os irmãos Wright voaram com o seu avião pela primeira vez, este manteve-se no ar por 20 segundos e percorreu 36 metros. Na altura, dissemos: “E então?”. Mas isso mudou o mundo. Seres humanos voaram pela primeira vez. Nós somos o avião dos irmãos Wright. Estamos a percorrer apenas 36 metros.»
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