22 December 2006

Na Rota da Europa


Viajei até à Galiza celta, dois dias, para celebrar o início de Agosto. Levei, acompanhado de assuntos pendentes, o telemóvel, para a necessidade desconhecida. Rompida a fronteira hispânica, logo a operadora de rede, prestável, se dedicou a me informar do facto. Adolescentemente, não me apercebi da verdadeira substância do aviso automático, omnisciente. Só depois de atender uma anémica chamada e registar, em consequência, um saldo anoréxico, entendi, pleno, o significado do termo estrangeiro roaming. Independentemente das promoções que as operadoras possam anunciar, este é fantasticamente absurdo no espaço europeu.

Chocado, recordei-me duma leitura antiga, algures no último semestre do ano, de uma proposta, a discutir no Parlamento Europeu que visava, precisamente, a extinção do malfadado roaming. Calculava-se mesmo que, por volta da semana final de Julho, já estivesse em vigor a medida – pela minha experiência, apercebi-me, penosamente, que não. Este é apenas mais um dos exemplos, tão quotidianos, da Europa inacabada.

A UE é, possivelmente, o facto político mais miraculoso da segunda metade do século XX, independentemente de todas as crises porque passou (e passa hoje). Pessoa escreveu, nas suas reflexões sobre a I Guerra Mundial, que a civilização europeia assentava exactamente em três pilares comuns (o Poeta nunca definiu com precisão um quarto, que ele a estes juntava): a Cultura Grega, a Ordem Romana e a Moral Cristã. Que o conjunto de nações hoje tão amplo que se reúne sobre o mesmo abraço tenha, durante séculos, digladiado-se incessantemente é motivo de estranheza, perante esta inequívoca herança comum. Foi o reconhecimento desta que me converteu num acérrimo defensor da cidadania e do projecto europeus.

É, pois, com tristeza que me apercebo das falhas desse edifício, como a do mesquinho roaming. Mas fora todo o mal europeu esse! Quando um bom amigo meu me confessa que, no dia do mancebo, o militar que o acompanhou se lamentou que havíamos perdido parte da nossa identidade nacional com a adesão ao Euro; quando, numa aula de História, discutindo precisamente tal facto, vejo uma voz feroz contra a nova moeda; não posso senão sentir desilusão perante um nacionalismo caquéctico, primitivo e medricas.

Do mesmo modo reajo e me exalto ante a cruzada das Juventudes de esquerda contra o Processo de Bolonha, como este fora um apocalipse universitário. Eu propunha até que, na mesma linha, esses grupos iniciassem manifestações contra o Projecto Erasmus, ou, ainda mais fiéis a tão nobres princípios, contra os estudantes portugueses que partem para estudar Medicina em Espanha: acaso não serão estas duas situações prenúncio de Bolonha, na permutabilidade entre universidades que pressupõem e que esta reforma vem amplamente facilitar, na uniformização europeia dos cursos que procura? Tudo quanto possa evadir os portugueses de Portugal só pode ser favorável.

Comemora-se este ano a entrada do nosso país na então CEE. É uma oportunidade única de se rever, em perspectiva positiva, esta caminhada. O fenómeno não é só português, mas sendo eu português (e mais europeu), é sobre Portugal que me debruço, constatando que ainda não soubemos acolher devidamente a ideia europeia. Enquanto assim não suceder e guardarmos o cepticismo inglês ou a negação francesa e holandesa, a Europa não se constituirá, jazendo incompleta, como sonho bonito – e arruinada. ■ o corvo


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