22 December 2006

Elogio da Silly Season


É Setembro, com a pena que isso sempre acarreta. Universalmente, o fim das férias. Durante um mês, houve o sabor e a sabedoria de ser livre: arranjou-se um romance light, foi-se ao cinema e passeou-se amplamente à noite. Os mais jovens arranjaram um flirt. Os jornais, sinceramente, eram vagamente despachados num quarto de hora, vazios de notícias. Estupidificantemente, era-se capaz de ficar a ver, seguidos, os três filmes de sábado à tarde. E, no final do dia, estávamos, verdadeiramente, cansados. Era a silly season, a estação estúpida.

Principiou-se, então, a rentrée em seriedade da sociedade. Na política, a Festa do Avante! , ainda, confessadamente, um misto dos dois tempos, do ligeiro e do grave, intermitente entre concertos e jerónimos. A Festa do Pontal, coisa esquisita, montada em praia, sem líder. O BE, caminhando peregrinamente. O PP, longe, na Madeira. E o PS, num one-man-show, no Porto. A rentrée é, no mínimo, uma coisa esquisita.

Por fim, a única coisa pela qual a maioria dos portugueses se interessava minimamente, também correu mal, pondo sérias dúvidas à sustentabilidade deste país. Nas comemorações do 11 de Setembro, tão pródigo em teorias da conspiração, eis que uma nova e mais imensa e mais terrível cabala se ergue. O seu herói e o seu vilão: o Gil Vicente! Antes sequer que interesse identificar o culpado, o que causa, de imediato, espanto e choque no clamor de espadas que atravessa o futebol é a própria situação em si: é surrealista. Esta, conjugada paralelamente com o «Apito Dourado», veio, sobretudo, desvelar, pública e ostensivamente, a decrepitude que enche o futebol, cujo nome é: mesquinhez.

Esta vem mascarada de soberba, mas é apenas, verdadeiramente, o seu oposto. Ainda recordo de Luís Filipe Vieira afirmar, aquando da sua candidatura, que, dentro de três anos, o Benfica seria o maior clube do mundo. E foi eleito. Na realidade, política e futebol são bem mais parecidos do que aparentam: promete-se e ganha-se. Porém, o que incomoda é o orgulho destemperado e evidente convencimento com que os dirigentes dos clubes se apresentam. Como se pretendessem deuses, vêem-se acima das acusações que lhes tecem – e conseguem-no.

Não sendo o futebol o meu desporto favorito, não deixa, nem que não seja pela sua predominância televisiva, de ter um significado para mim. Ora, precisamente como apreciador, desgostam-me todas estas perturbações no decurso normal da Liga por uma mesquinhez tamanha como a dos gilistas que, pugilistas, a todos se opõem. Uma vez mais, mais do que a coisa em si, interessa-me o modo dela. Impressiona-me mais fortemente não tanto a decisão que os sócios do Gil tomaram na quinta passada (de resto, previsível), mas a forma como, de facto, tão facilmente se galvanizam multidões com demagogia. Ao que sucedeu naquele pavilhão aplicaria eu, verdadeiramente, o rótulo da alucinação colectiva. Não é de estranhar que, do mesmo modo, associações xenófobas e extremistas poluam as claques juvenis dos maiores clubes. Fenómenos distintos, a natureza da sua origem é semelhante. Numa altura em que as pessoas não conseguem ter orgulho no seu país (e, brevemente, nem no país sob forma da selecção nacional, se a FIFA chegar à punição) inevitavelmente deslizam-no, sob forma exagerada, para outro lado. O cómico é que isto é trágico.

Silly season, o Verão? Silly season Setembro!

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