Às crianças da escola Hilarion Gimeno, de Saragoça, a quem impediram de celebrar o Natal, para não ofender outros credos.
Queridas Crianças de Saragoça, venho-vos explicar o mundo, como um filósofo velho que acolhe, como avô, os pequenos no regaço. Porque há coisas, crianças, que os outros velhos, que se chamam adultos, não querem que vocês saibam: mas é urgente que saibam! Percebo que não percebam muito do quanto percepcionam e cada dia é uma novidade e cada espaço, uma vontade de ser maior, sendo mais sabido. E, no entanto, Deus!, às vossas perguntas, só têm o eco como resposta. Por isso vos sento hoje aqui, Crianças de Saragoça, e vos falo do Natal.
Sei que na vossa escola não há Natal. E, coitados de vós – ó arautos de permanentes porquês! –, que não entendem a cidade, porque na cidade há Natal. Há luzes confusas nas árvores do jardim municipal – mas também isso, sabeis?, não é Natal. Os vidros das lojas têm azevinhos e tons encarnados, como fosse tudo um grande pecado – o pecado de celebrar o Natal. E, subitamente, tudo fica mais barato (ou assim se promove) – coisa bizarra, quando se pensa que, depois, logo seguem os saldos: que pensam os adultos? Mas nem isso, crianças, nem isso é verdadeiramente o Natal. Aliás, coisa mais esquisita ainda, é vocês receberem presentes, ainda por cima, sempre no mesmo dia do ano. Eu sei a vossa alegria e como voam aladas de brinquedos, mas, lá no fundo, comichão!, há essa grande confusão de perceberem a razão por detrás da atitude, porque tanto quanto os pais vos tenham dito, vocês fazem anos noutro dia.
É uma época, a bem dizer, aberrante – um pouco como os adultos. E na vossa cabeça pequena e no vosso coração grande, não faz sentido nenhum – só porque desconhecem, porque vos calaram, o que acontece. Não que as coisas para serem belas ou agradáveis tenham de fazer sentido, mas nenhuma de vocês, crianças, acredita, certamente, que os adultos são surrealistas, que são o único género de pessoas que fazem coisas muito divertidas, mas sem sentido nenhum.
O mais enervante, porventura, é que, maldição!, o vosso primo, que até é um ano mais novo do que vocês – o primo de Barcelona, que vem sempre passar esta altura convosco (o que é uma coisa, em si, também esquisita: por que inspiração todos acorrem, pastores peregrinos, à gruta de vossa casa?) – ele sabe o que se passa, certamente, porque não parece nada confuso – e vocês nunca o tomaram por palerma. Há um grande mistério, e nenhum Holmes para o resolver.
Ai Crianças de Saragoça!, fazem-vos cegas, mas como os dentes novos que vos nascem incessantemente, brota em vós nova vista continuamente. E que eu vos dê a luz, que não seja artificial ou um néon disparatado a piscar numa rotunda. Ficai pois sabendo, ó Crianças de Saragoça, que toda a barafunda instalada em torno a vós, todo o hábito estranho que constatais agora, nada mais são que manifestações superficiais de uma coisa profunda, mas que, talvez a medo que fiqueis corcundas com o peso da verdade, os adultos vos escondem. Mas, ai!, sabeis?: nem têm más intenções, os vossos pais – julgo apenas que eles mesmo já são ignorantes.
Por isso, vós que me escutais arrebitados, ide hoje dizer a vossos pais, que há algo de profundamente errado nisto tudo, enquanto o ser humano for um macaco que teimou em não se submeter a Darwin. E como macaco, copiar uma tradição que herdou e mais não sente – e mais não lhe conhece a causa. E erguei-vos, crianças, a homens: vós que estais mais perto, porque ainda o tendes fresco na memória, do que é nascer. E ide dizer ao vosso primo de Barcelona que afinal, ah!, também ele andava enganado pela coca-cola: porque o Natal, o Natal, niños, é só – e é tanto! – a festa de um outro Ninõ que nasceu.