Neste espaço de que escrevo, quão mais bárbaras parecem as declarações de Fernando Ruas, incitando os seus concidadãos a “correr à pedrada” os inspectores do ambiente, bobamente acrescentando “medir bem as palavras” – pena não as ter pe(n)sado! Poderia concentrar-me no insulto cuspido do presidente de Viseu à inteligência comum, ao afirmar depois que não se o deveria levar à letra – num apalermado paradoxo. Podia analisar o significado do apoio imediatamente expresso de Alberto João Jardim – se valesse, da facto, ainda comentar que quer que se oiça vociferando desses lados insulares. Porém, o meu coração ofende-se mais profundamente que tudo com o pensamento excêntrico que, latente, pulsa nesta afirmação de Fernando Ruas. O poder político (numa muito provável intrusão de outros poderes poderosos) afronta o habitat do homo sapiens – criamos reservas para linces ibéricos, correctamente previstas por decreto, mas insistimos em não cuidar de nós próprios.
Penetramos aqui no instável equilíbrio entre o cidadão e o poder: obviamente, reside em nós a certeza constatada de que um esforço individual – aos mais diferentes níveis, da reciclagem à poupança de água – contribui, ipso facto, para o melhoramento do mundo; porém, simultaneamente, sabemos da importância dos poderes superiores e das suas decisões. Ajuizadamente, a tudo isto, o Ministro do Ambiente veio retorquir que aqueles “que entendem que o desenvolvimento económico é incompatível com o ambiente [...] têm uma mentalidade de desenvolvimento própria dos anos 50” – até nisto parece Portugal, anacrónico, estar a meio século de distância da Europa civilizada. A indignação do Ministro respondia também às declarações de Basílio Horta, presidente da API, pedindo para aumentar a quantidade de emissões de CO2 previstas para Portugal por Quioto: creio bem que, daqui a uns anos, aconselhará a nossa retirada deste tratado, apontando como exemplo saudável os EUA de Bush.
Internacionalmente, uma outra notícia, passada por certo despercebida – apesar do tamanho gigantesco do seu objecto, inquietou-me: a Comissão Baleeira Internacional na declaração final da sua reunião anual escreveu que a moratória que proíbe a caça à baleia desde 1986 “não é mais necessária” e, pela primeira vez em duas décadas, exprimiu o seu apoio à caça deste mamífero para fins comerciais. Tomemos consciência de que a família dos cetáceos esteve à beira da extinção – o que, atempadamente (?), levou à moratória referida. Não obstante, era do conhecimento comum a persistência do mercado negro. O levantamento da interdição pode ser fatal e encerrar a milenar história de uma das mais belas e simbólicas espécies marítimas. Os tempos passaram desde que Melville, no seu Moby Dick, louvava a perseguição dos cachalotes, mas a alegoria da obra permanece válida: indomável, Moby Dick destrói o convencido navio Pequod e o seu capitão Ahab, incapaz de entender a vitória sempre final, sempre perpétua da Natureza sobre o Homem, cego na sua ânsia de a dominar: aprendamos!