Tenho por hábito vaguear por livrarias, na minha rotina sempre igual na sua regularidade, que por vezes contorno em inesperadas revoltas contra o hábito, tendo elas, contudo, já virado também costume, por seu turno, pela sua frequência. Pelo puro prazer de ver e saber que não posso ter, e moer-me então em desejo, entro pois nessas casas de cultura (que não são as de Santana Lopes), cultivando o meu saber acerca das novidades editoriais, o que mais recentemente se deu à estampa.
Cada minha visita, porém, me tem feito abandonar cabisbaixo aquele abrigo onde antes encontrava refúgio para a leviandade intelectual do mundo que nos circunda, porque, como dizia Torrente Ballester, «A pior forma de solidão é a de dar-se conta de que as pessoas são idiotas». É desmotivante observar as novidades escritas em português, por lusa pena. É que é mesmo uma pena e, não fora trágico, seria ensejo de chorar. A literatura nacional de maior mercado tornou-se o desprezável equivalente à música comercial das rádios ou às comédias hollywoodescas.
Primeiro, o futebol, de todas a maior prioridade nacional. A proliferação de livros escritos por jogadores/treinadores/dirigentes de clubes ou por adeptos com reputação firmada, nomeadamente jornalistas, bem como obras de descrição dum dada temporada ou da conquista dum certo troféu converteram-se num nicho profícuo de vendas, que inunda as prateleiras. Lado a lado com ele, quase evocando a trilogia dos três ‘F’ portugueses do tempo salazarista, aparecem-nos os livros religiosos, hoje em dia aliados aos esotéricos, tendo-se, nas mentes dos livreiros e das pessoas, esbatido a diferença entre os dois sectores. Este boom da literatura religiosa ganha essencialmente com o famoso Código Da Vinci e com a eleição do novo papa. Assim, uma panóplia vergonhosa de livros sobre ambos os sujeitos têm pululado as livrarias, num claro intuito de vender – todos os livros passaram a ser “o livro que inspirou o Código Da Vinci”, remodelaram-se as capas dos antigos livros de Ratzinger. Na literatura nacional, não podemos esquecer o seu expoente: a filha de Raul Solnado, essa grande profetisa, que nos tem vindo a elucidar sobre o que o Jesus Cristo que nos fala quer de nós para este milénio: dinheiro.
Conjuntamente, não podemos esquecer essas obras-primas que têm vindo a engalanar a nossa produção nacional, como por exemplo o recente “Amanhã à Mesma Hora – Diário de uma Stripper Portuguesa” editada pela prestigiada D. Quixote, ou tantos blogues agora impressos com capa – o mais recente o do ‘Gato Fedorento’, ou a libertinagem das publicações humorísticas, que agora, sob a chancela da Texto Editora, invadem o mercado. Mas como ler é aborrecido e cansativo, os engenhosos senhores das editoras contornam o problema anexando aos livros CDs com o melhor deles, ocasionalmente ainda preenchidos com imagens. Algo está podre no reino da literatura de Portugal... E literatura lhe chamar é já um eufemismo, se não uma total hipocrisia.
Escritor amador como gosto de ser nos meus tempos livres em que livros componho, tenho amigos que se me juntam e confessam a sua angústia de não conseguirem publicar o que pretendem. A tal medo, eu lhes replico simplesmente «O que quer que tu escrevas há-de ser melhor do que aí corre, por isso, não te preocupes!». Ou talvez nos devamos inquietar, porque os artistas, os verdadeiros, amadores que se tentam atirar para esse circo de feras das editoras, vêem constantemente barrados os seus caminhos pela lógica capitalista de hoje, pela mentalidade retrógrada dos nosso leitores. A cultura escrita portuguesa está viva? ■ o corvo
Publicado a 15 de Junho de 2005
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