Um dos maiores ganhadores da noite de eleições não foi entrevistado. Falo do voto defendido por um nobelizado português no seu último livro e por um anónimo movimento (www.umrumoparaportugal.com): o voto em branco, que sofreu um incremento fenomenal. Este quase duplicou quando comparado com 2002, atingindo os 1,81% e saldando-se em mais de 103 mil votos. Em Lisboa foi a sexta força e valeria um deputado. Na nossa terra sofreu um aumento exponencial, atingindo os 250 votos, mais que todos os partidos menores somados, que se ficaram pelos 148.
O voto em branco é uma bomba nuclear da democracia, que está nas mão dos donos de todo o poder num regime assim: o povo, que contudo ainda não se apercebeu do enorme potencial que reside nesse gesto de expressão tão inequívoca. Dum boletim assim deduz-se, preto no branco, insatisfação e descontentamento, parelha de sentimentos que podem abarcar um sem número de diferentes interpretações. Dentro desta panóplia de leituras, entre os que acham o branco um sinal antidemocrático e os que nele vêem uma tentativa de melhorar o regime, encontra-se um denominador comum, que todos confirmam: quem assim escolheu, mostra uma clara recusa do leque que lhe é oferecido. Porque na democracia, a cavalo dado olha-se o dente.
As razões por detrás de tal negação da ementa política são, logicamente, a abjuração dos «políticos incompetentes» do Sr. Silva, para o chamar como o Sr. Jardim, que jardim algum gosta de silvas. O voto é branco é um grito de quem pede uma reestruturação duma política que olha e vê caduca, oca de ideias e rouca de tanto bradar demagogias e populismos. É o voto de quem não se revê, mais do que em caras, em partidos em cuja ideologia (se é que há alguma no seu gene) não encontra a resposta que sente que o país precisa. Um voto contra o sistema? Certamente, quando, por sistema, o sistema nada concretiza, banhando-se em promessas vãs.
Muitos recusam o voto em branco, apelidando-o mesmo de absurdo, por o julgarem um tiro no escuro. Mas só se for um tiro no escuro que é a noite da nossa política, tão embrenhada, como todos sabemos, em erros e enganos. E muitos tiros no escuro atingem decerto o alvo – o acaso levará uma bala ao destino. Consideram-no tantos sem sentido, porque não elege ninguém nem exprime nenhuma alternativa. Contudo, também não o exprime o boletim para quem assim vota, não achando em candidato algum uma opção. Quem vota em branco vê que a política está preta. O seu acto é um pedido de inovação, de mudança. É uma oração por uma outra forma de fazer política. Quem assim reza, pode não saber que utopia é aquela que pede, mas sabe que precisa de ser pedida, e só lamenta que os homens não se sentem para a discutirem e do abstracto dela passaram ao físico.
O Movimento que surgiu nestas eleições foi vital para que os votantes em branco percebessem que não estão sozinhos, mas que se podem organizar e cooperar, articular uma estratégia. O Movimento fez o eleitor branco tomar consciência do seu grupo e arranjar uma forma de expressão pública, que se materializou em cartazes e reportagens acerca deste fenómeno. Acima de tudo, teve o mérito de provar que o voto em branco é um voto útil (este sim). Bons augúrios nos esperam se esta forma de manifestação aumentar futuramente, colocando a nossa política entra a espada – arma branca – e a parede, exigindo-lhe mais. Aguardemos com expectativa. ■ o corvo
Publicado a 2 de Março de 2005
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