22 February 2006

«É Milhor De Decer Que De Subir»

Já o preguei várias vezes deste meu púlpito e não cesso de o fazer: nas escolas portuguesas está em curso um processo de estupidificação dos alunos. «O analfabetismo protege o analfabetismo» acusava Vasco Pulido Valente na sua coluna do Público, a propósito do fim dos exames nacionais a Português, medida entretanto revogada. Contudo, só a disposição, por parte da malograda ministra, de o fazer deve preocupar. A situação recorda-me a proposta polémica, de há uns anos, de retirar os Lusíadas do secundário.

O conhecido professor Carlos Reis denunciou, argutamente, que a retirada do exame é a definitiva subalternização das ditas Humanidades aos cursos científicos. Tudo se processa no sentido inverso: acertado para a ministra seria, por exemplo, retirar a distinção entre Português A e B. Não deve um cientista ou economista conhecer Camilo e Antero, dois dos renegados da segunda variante? Enquanto desdenha estes, o programa mitigado contenta-se em ocupar os alunos ensinando-lhes conteúdos gramaticais aprendidos no segundo ciclo, mas, agora, com designações novas. Inconcebível é igualmente o estudo cronologicamente desordenado dos autores previsto no programa, não permitindo uma visão de conjunto e continuidade como o faz, por exemplo, o seu irmão mais velho, o Português A. E, entrementes, alegremente concebemos iliteratos. O que mais indigna é a Associação de Professores de Português ter-se pronunciado pelo fim do exame – não entendi ainda o paradoxo.


Semelhantemente queria a ministra fazer a Filosofia, disciplina que seria dramaticamente reduzida em Coimbra, não fora o exame ser exigido como prova de ingresso pela Faculdade de Direito e ser obrigatória – por ora! – no décimo e décimo primeiro anos. Os currículos de Filosofia podem ser comparados aos de Ciências pelo primitivismo de ambos. Em pleno século XXI, aqueles que não optaram pela via científica no liceu, chegam ao final do ensino básico sem terem ouvido falar da teoria da evolução, da complexidade do genoma humano, da física quântica ou da teoria da relatividade. O que desta conheço é graças ao livro Mais Rápido que a Luz, de João Magueijo, físico português que ensina em Inglaterra.


Do mesmo modo, no fim do décimo primeiro ano, a Filosofia, não foram abordados Kant, Hume, Descartes, Nietzsche ou Hegel. O desconhecimento deste último, a título de exemplo, implicou que tivesse de ser a professora de português a dar umas noções muito gerais de Hegel aquando do estudo de Viagens na Minha Terra, onde a teoria do filósofo alemão ocupa lugar de destaque. A triste verdade é que, fora Piaget e a Fenomenologia, aprendi mais lendo O Mundo de Sofia de Gaarder do que ao fim desses dois anos de Filosofia escolar; e, no que respeita à Lógica, o que sei devo ao pouco que li d’ O Lugar da Lógica na Filosofia, do português Desidério Murcho, mais um emigrado em terras inglesas.

Tiram-se exames quando estes deviam ser aumentados. Se o grau de exigência não subir, ao invés de diminuir, como constantemente verificamos, prosseguiremos com uma nação decrépita. Sem conhecimentos linguísticos decentes, os alunos são até incapazes de perceber os enunciados matemáticos. Mas, ai!, é que em Portugal, para todo o obstáculo, para todo o monte no caminho, para todo o desafio, ecoam aqueles versos do Poeta «...aquele outeiro/É milhor de decer que de subir»!

Publicado a 21 de Dezembro de 2005

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