Anunciava o Expresso, na sua edição de 23 de Dezembro, que o postal de Natal do presidente Bush aos seus concidadãos omitia qualquer referência a Jesus e dele não constava a palavra Natal, desejando-se antes uma boa holiday season, ‘época de férias’. O artigo do semanário continuava garantindo que o presidente da Câmara de Nova Iorque inaugurara não uma árvore de Natal, mas uma “árvore das Festas”. O caso recordou-me quando, na altura da invasão do Iraque, devido à oposição francesa, na cantina do Senado, as batatas fritas (french fries) viram o seu nome mudado para “liberty fries”, o que omitia as referências aos franceses. A linguagem é pródiga em manipulações hábeis na verborreia política.
A mesma linguagem, contudo, é explícita nas suas raízes: Natal, etimologicamente, significa nascimento – um homem velho de barbas tem, por natureza, de estar deslocado de uma quadra assim intitulada. Deambulando pela nossa terra, porém, descobri Pais-Natal subindo escadas dependuradas da varanda. O objecto ridículo, saído de uma qualquer loja dos trezentos, indigna-me pela sua a-estética e mau gosto, produto descartável – como as fraldas.
Estas decorações confirmam que enfrentamos uma campanha exaustiva de erradicação do imaginário cristão do Natal. Na festividade original, pagã, à qual parece termos retornado, adorava-se o Sol (celebrava-se o solstício de Inverno); hoje, venera-se o Pai Natal, escalando nas suas escadinhas excêntricas as varandas dos mealhadenses e outros portugueses. A própria figura do homem de vermelho tem origens cristãs (comemoradas, por exemplo, na Alemanha), mas mesmo isso foi propositadamente ignorado para se tornar num simples produto de mercado.
Esta operação de maquilhagem dos símbolos religiosos, levada ao extremo, obrigaria à remodelação completa das decorações públicas natalícias: desde a inocente estrela até ao presépio do jardim frente à Câmara. Por detrás desta perseguição, redescobrimos a mentalidade subjacente à polémica da retirada dos crucifixos. Se condeno, de ambas as partes, o comportamento (o número de escolas ainda com crucifixos era irrisório), ele constitui, porém, um sinal claro de toda uma forma de pensar anti-religiosa. Ironia – com essa ironia da hipocrisia humana, para homenagear Sá Carneiro no aniversário da morte, optou-se por uma cerimónia de cariz religioso. São incoerências assim que minam toda a credibilidade de quem as pratica.
Há um mal-estar com a religião, como se se tratasse de algo anti-natura, repelente até. Em Portugal, relega-se a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica para horários inconvenientes, ou seja, última hora do dia. Em países “retrógrados”, como a Finlândia, trata-se de uma cadeira obrigatória – de nome diferente consoante o credo do estudante – e, no caso dos ateus ou agnósticos, existe, em alternativa, ‘Ética’. Aqui, na tradição histórica do cultivo da aparência, guardamos a casca – e cuspimos a polpa. Instalou-se, paulatinamente, este pensamento moderno de que não é preciso ser-se crente para celebrar o Natal, sob a tese de que se trata de uma festa sem conotações bíblicas: uma reunião da família, tempo de paz e amor. Porém, acaso os ateus, nos países muçulmanos, celebram também o Ramadão? Ou, em Israel, comemorarão eles a Páscoa judaica? Acontece que, tanto quanto sei, em nenhuma dessas outras festividades se oferecem prendas, pelo que, posto isto, penso enfim perceber a falta de interesse que têm em as comemorar…■ o corvo
Publicado a 4 de Janeiro de 2006
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