Ouvindo o noticiário da Antena 1, há duas semanas, fiquei a saber que uma tenda de campanha – oportunamente enviada para o Sudeste Asiático aquando do tsunami – pertencente ao Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, jazia há seis meses na Alfândega de Lisboa, custando já à citada entidade cinco mil euros. Refira-se também que só há mais um equipamento do género em Portugal e que, para cúmulo, teve de ser a Alfândega a avisar o interessado, que desinteressado me parece.
Se quando escutei a reportagem não contive o riso, chegado a casa, não sustive o medo. Episódio pontual, situação caricata, este acontecimento não é senão um símbolo, uma metáfora, como o autocarro de Lisboa engolido pelo asfalto – era Santana ainda presidente dessa câmara – era o código secreto em que se profetizava o declínio luso. É Portugal quem espera naquele porto; porém, todos passam e ninguém se interessa por essa estranha realidade ancorada ainda no domínio da utopia. Mas a indiferença paga-se cara e o preço sobe dia a dia – como o petróleo.
Os sinais do Apocalipse multiplicam-se, com as trombetas dos anjos ressoando mais e mais. Do céu – porque Deus é brasileiro, como dizia o filme homónimo – desce já a senhora de Fátima, para o seu último e maior milagre: o de Outubro. Independente? Indecente! Felgueiras é o triunfo da verborreia. Chamava-lhe o Diário de Notícias “nova Evita”, mas ninguém a evitou, antes lhe deram maioria absoluta, absolvendo-a de toda a sua prática dissoluta! «Nem sei se era assim tanta a esperança e a alegria no 25 de Abril» afirmou ela. Nem eu sei se então era tanta a parvoíce que hoje se revela! «O povo em democracia é soberano», disse da sua vitoriosa janela. Mas este mesmo povo, na sua ingenuidade e erro, cava a sua cova. Sócrates, o filósofo, já defendia que a ignorância era fonte de todos os males – quer-se maior prova?
Mas quando até os cultos vultos fazem tão estultos comentários, de Alegre fico triste. «Ele é um ídolo da juventude. A minha filha gosta muito de o escutar». falou assim Manuel, o poeta, de Pacman, o vocalista dos Da Weasel, mandatário para a juventude da sua candidatura presidencial. Referindo-se à versão hip-hop da Trova do Vento que Passa: «Fiquei comovido ao ouvi-lo. E fiquei ainda mais depois de saber que ele nem sequer havia escutado as versões anteriores, interpretadas pelo Adriano e pela Amália.» Não condeno a escolha, condeno o elogio. Condeno a apologia da degenerescência da juventude que tem de encontrar tais ídolos. Condeno que se exulte a ignorância da arte passada. E se Pacman não ouviu as versões cantadas do poema de Alegre, creio eu que Alegre não leu os versos escritos de Pacman. Como reagiria o candidato ante a “arte poética” do hit da banda: «Vou levar-te para casa - tomar conta de ti/ Dar-te um bom banho, vestir-te um pijama e…/Fazer-te uma papinha, meter-te na caminha/ Ler-te uma historinha e deixar-te bem calminha»? Que história cantaram a Alegre, desconheço, mas decerto vai-lhe ser dado um bom banho e ele irá para casa, lamentando o seu despenho.
«...e todo o país não é mais do que: uma agregação heterogénea de inactividades que se enfastiam. É uma nação talhada para a conquista, para a tirania, para a ditadura...» assim se anuncia na primeira das Farpas de Eça. Lendo os astros cá em baixo, a minha astrologia remete-me para a mesma triste conclusão e assim se murmura na confusão e as vozes clamam por uma mudança de regime: novo D. Sebastião que aguardamos. Por ora, nevoeiro apenas... ■ o corvo
Crónica saída a 26 de Outubro de 2005
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