O conclave dos ricos anunciou sexta-feira ao mundo que contribuiria com sessenta mil milhões de dólares para a luta contra a sida, a tuberculose e a malária em África. A declaração, porém, omitiu, convenientemente, o pormenor de que metade desse dinheiro virá dos EUA, que já antes tinham prometido essa ajuda. O texto não remete também para nenhuma data em concreto. Um prazo, contudo, tinha sido estabelecido na cimeira dos G8, há dois anos (por altura do celebrado Live Eight). Então, os governos haviam prometido duplicar a ajuda ao desenvolvimento africano até ao final da década. A verdade cruel, todavia, é que, ao invés, essa ajuda tem vindo a decrescer depois de 2005. Que necessidade há pois que se juntem agora para renovar a mentira das edições anteriores? De boas intenções, arde o Inferno.
Os oito companheiros manifestaram ainda – dizem os jornais – a sua preocupação com a situação ignóbil do Darfur, apelando a que os autores das “atrocidades” sejam julgados. O frenesim eufemístico da política moderna! No Darfur está em curso um genocídio: e por esse nome a Morte deve ser convocada. Os líderes das grandes potências, mais uma vez jogando com a ambiguidade da indefinição, prometeram ainda novas medidas contra o Irão, caso este não suspenda o seu programa nuclear. A avaliar pelo cumprimento de outras promessas do grupo, Ahmadinejad, o polémico presidente do Irão, poderá continuar calmamente a brincar à destruição de Israel, à qual já este mês se referiu novamente. O tom irónico destas palavras não deverá ocultar a gravidade da situação. Os G8 abordaram, de facto, questões essenciais: simplesmente, recuperando a sentença dos velhos Gatos, “falam, falam mas não fazem nada!”.
Claro que, naturalmente, não é fácil atingir um consenso quando um dos elementos de peso dos G8, a Rússia, por um lado, de acordo com a Amnistia Internacional, tem fornecido armas ao Darfur, por outro, sistematicamente, veta sanções que o Conselho de Segurança da ONU tem tentado impor ao Irão. A Rússia é, cada vez mais, uma peça central no xadrez do mundo: ainda há uma semana, ameaçou apontar mísseis a alvos europeus. O Kremlin parece, no entanto, ser assaz querido ao nosso primeiro-ministro, o qual foi recentemente à Rússia. O aspecto mais mediático desta deslocação toda foi, certamente, o jogging de Sócrates. O fait-divers não nos deve distrair, contudo, das suas afirmações, que não auguram nada de bom. “Ninguém queira começar a dar lições seja a quem for”, disse. Se há algo a que sou sensível, e me repugna com especial fervor, é a hipocrisia. Dói-me que Sócrates faça tábua rasa dos atropelos constantes do regime de Putin aos direitos humanos. Justificadamente, a delegação russa da Human Rights Watch exprimiu já a sua indignação com as afirmações do Primeiro. São as opções éticas do nosso bem-amado governo. Porém, igual indignação me causou a posição do Partido Comunista relativamente à censura de que foi alvo a RCTV, canal venezuelano, oposto ao regime, a que o presidente Hugo Chávez não renovou a licença de emissão. O PCP, no seu site, defende nitidamente a medida – coisa triste, muito triste.
O mundo enferma e, entre os sorrisos das fotografias, ninguém tem a coragem da chapada necessária. ■ o corvo
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