Continuamos a listagem não exaustiva já iniciada na crónica anterior das figuras mais proeminentes que, de alguma forma, ameaçam a sociedade aberta e livre como a conhecemos.
3) António Fernando Correia de Campos, Ministro da Saúde. O afastamento da ex-directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Cardoso, é mais uma manifestação da acentuada sensibilidade do actual executivo. De acordo com o despacho da exoneração, Maria Cardoso foi demitida “por não ter tomado medidas relativas à afixação [...] de um cartaz que utilizava declarações do Ministro da Saúde em termos jocosos, procurando atingi-lo”. Não se acrescenta, contudo, que, por sua vez, essas “declarações do Ministro da Saúde” ofendiam os profissionais daquele serviço. O cartaz em questão reproduzia uma entrevista concedida por Correia de Campos ao Jornal de Notícias, a 6 de Agosto de 2006, onde este declarava: “Nunca vou ao SAP, nem nunca irei! [...] Porque não têm condições de qualidade. Têm um médico e um enfermeiro e conferem uma falsa sensação de segurança.”. As bases devem respeitar as chefias; estas, porém, podem livremente desdenhar do trabalho dos seus dependentes.
A lealdade – conceito importante em que os adversários da sociedade aberta baseiam as suas invectivas – funciona num só sentido. Não se espante, considerando os traços que vimos serem próprios dos inimigos da liberdade, que Maria Cardoso tenha sido acusada pelo ministro precisamente de “deslealdade”, por não ter prontamente mandado retirar a entrevista. Por outro lado, num exercício de obstinada lealdade, um membro da Juventude Socialista denunciou o caso aos seus superiores, que, depois, fizeram chegar a notícia às cúpulas. É caso para relembrar as palavras avisadas de Jorge Coelho: “Quem se mete com o PS, leva!”.
Outro pormenor que merece destaque é o facto de Maria Celeste ter sido pressionada para abrir um processo disciplinar contra o médico que afixara a entrevista e a rematara com um curto comentário irónico. Porém, ao contrário de Margarida Moreira, da DREN, criticada na crónica anterior, Maria Cardoso, numa atitude louvável, recusou-se a fazê-lo, sendo consequentemente demitida. Se seria ainda possível, por parte dalguns, defender que, efectivamente, não era muito correcto uma entrevista assim estar exposta num centro de saúde, é já, contudo, difícil – a partir do momento em que se percebe que a razão da demissão foi a recusa de Maria Cardoso em instaurar um processo contra o médico – não suspeitar que estamos perante um exercício de violência política.
Em defesa do ministro, a Secretária de Estado da Saúde, Carmen Pignatelli – que aqui inscrevemos no rol dos inimigos da sociedade aberta – considerou que a liberdade de expressão deve ser exercida nos “locais apropriados”, a saber, “nas nossas casas, na esquina do café (?), e com os nossos amigos”. Note-se a incorrecção das palavras, porquanto o professor Charrua foi precisamente denunciado por um “amigo”. Muito segura das suas afirmações, sem pudor, exclama: “não tenhamos vergonha de dizer isto”. Não tenhamos nós, de facto, vergonha de dizer isto: a liberdade está a ser, já nem muito veladamente, ameaçada, por comportamentos dos seus opositores como os acima descritos. Ao caso Vieira do Minho, como este já foi apelidado, vem-se juntar o de Fernando Portal, alegadamente afastado, ao fim de dezassete anos, da presidência do hospital de S. João da Madeira por críticas à política de encerramento das urgências do ministério, caso que remonta já a Maio. Pouco a pouco, vai-se revelando a verdadeira natureza deste ministério que de saudável, sinceramente, tem pouco.
■ o corvo