Evoco a cena à laia de prelúdio de uma breve reflexão sobre a mais recente campanha do Governo, Novas Oportunidades. Nela – como alguns, por certo, terão já observado, ainda que, tanto quanto me foi dado ver (mas eu também sou distraído), nenhum cartaz tenha sido afixado na nossa cidade – personagens célebres aparecem em profissões vulgarmente consideradas menores, tentando-se apresentar isso como consequência da não prossecução dos seus estudos. Assim, naquele que é talvez o cartaz mais divulgado, Judite de Sousa aparece numa banca de jornais com a legenda “Esta é a Judite Sousa que não acabou os estudos”.
Os anúncios rapidamente causaram celeuma. Manuel Alegre, indignado, chamou a atenção para a forma como ostensivamente se desvalorizavam certas profissões, representando os que as desempenham como perdedores. Se o objectivo da campanha – a luta contra o abandono escolar – é, certamente, louvável, o mesmo não se passa com o método escolhido. Como comentou José Diogo «Gato» Quintela, na sua crónica dominical no P2, esta campanha é a modos que «abrutalhada». No fundo, Tyler Durden no Fight Club e o Governo parecem padecer dos mesmos vícios de comunicação, mau grado as suas boas intenções. Não é isso que, porém, mais me choca, embora também partilhe das reticências expressas pelo deputado-poeta.
Aquilo que me irrita no cartaz é a associação simples entre estudos e sucesso. Primeiro, porque, como todos nós sabemos pelos mais variados exemplos do quotidiano, muitos são os que, sem acabar o curso, triunfam nas suas áreas e tantos outros os que, tendo o «canudo», estão longe da excelência dos primeiros. Segundo, porque aqueles que hoje cursam sabem não ter – quantas vezes! – lugar no mercado à sua espera. Magoa-me particularmente o anúncio com Pedro Abrunhosa, em que este aparece como mero arrumador de uma sala de espectáculos – é que, há cerca de um ano, a revista económica Dia D dedicou uma reportagem aos jovens licenciados que, para susbsistirem, aceitavam empregos fora da sua área e uma das entrevistadas, precisamente, ganhava a vida a indicar os lugares num qualquer teatro.
É esta mentira suprema que me revolta. A ordem natural das coisas parece mesmo funcionar ao contrário: se os que completam os estudos trabalham atrás de balcões e em cinemas, os que não os completam, ascendem, se necessário, até às cúpulas. Estas mentiras e incoerência do Governo, porém, são mais amplas. Veja-se: o partido que, por meio do Ministério da Justiça, num guia lançado depois do 25 de Abril, incentiva os funcionários a denunciaram casos de corrupção, é o mesmo que, poucos dias antes, recusou, na Assembleia, pela terceira vez, a criação do crime de enriquecimento ilícito. Isto tem, na terra em que eu cresci, o nome de hipocrisia. Como hipócrita é o discurso de austeridade do Governo: não porque, per se, seja errado, mas porque é inconsistente, como bem demonstrou o Tribunal de Contas, que voltou a criticar as nomeações excessivas do Executivo. São os “jobs for the boys”!
Novas oportunidades? Novos oportunismos! ■ o corvo