O Estado está, como polvo, espalhado, tal bebida entornada, por todo o lado. Por isso, é forte – nesse adjectivo que, para classificar este governo, é promíscuo – de em tantas bocas já ter sido falado. Sócrates apresenta-se, sistematicamente, na pesrpectiva de uma certa camada pública, como um símbolo de unidade e direcção, homem bravo, capaz de afrontar os interesses instalados – e daí retira o seu aplauso e graça. Porém, esta força, que é omnipresença, tem os seus custos – como aqueles dos que, imprudentemente, hoje querem tanto vender a sua liberdade pela sua segurança.
Exemplo: “Teme-se o pior em 2007, pois, se tudo correr como o Governo deseja, a censura vai regressar”, comentava Francisco Penim, director de programação da SIC, no Correio da Manhã de sexta-feira passada. Ainda em Dezembro, no antologia semanal do Contra-Informação, abruptamente a emissão foi interrompida para publicidade (sem que fosse depois retomada) quando Vladimir Putin (isto é, o boneco parónimo) ameaçava de morte os atletas do Spartacus de Moscovo com uma caixa contendo material radiocativo. Falha técnica? Porém, difícil de conciliar com a hipótese do erro humano, em jeito de dúvida prudente, foi a cobertura da estação pública da estação dos incêndios. A situação de aparente e subtil relação entre o Estado e a televisão pública foi sintomaticamente caricaturada pelo Gato Fedorento num dos seus sketches, onde se mostrava o apego do canal à agenda do governo. É necessária uma séria investigação sobre o assunto e, mais ainda, uma constante postura crítica por parte do espectador (hoje tão urgentemente reduzido à estupidez pelo telelixo). Este ano, de resto, foi, efectivamente, pouco abonatório para a liberdade de expressão, especialmente se tomarmos em consideração a conjuntura global com o paradigmático caso das caricaturas do Profeta.
Lendo o jornal e correndo a net, tropecei em mais um caso de intrusão do Estado num matéria, verdadeiramente, absurda. Soube recentemente que o famigerado Ministério da Educação legislou em Outubro sobre a dimensão dos cacifos das escolas: assunto de público interesse e urgência para o aumento de qualidade do ensino português. Li esta semana a sugestão de se extinguir o Ministério da Educação – efectivamente, já foi maior o meu desacordo com a ideia.
Com dois mil e sete entrou também em vigor a lei que obriga a que os pescadores lúdicos adquiram, para o efeito, uma licença, a qual os submete a um conjunto de normas como a obrigatoriedade da distância de uma dezena de metros entre cada praticante do pacífico desporto. O governo planeia, de seguida, obrigar à aquisição de uma licença semelhante os praticantes de xadrez, malha e bisca. Será enfim tempo de estender ao Ministério das Pescas a crítica que tão recorrentemente – porque acertada – se faz ao da Educação: quem nele trabalha, decerto que não tem exercido a profissão sobre a qual legisla.
Porém, revelador desta omnipotente introdução do Estado em qualquer assunto, por muito remoto que lhe seja, é a situação, tragicómica, do novo cemitério na Póvoa do Varzim, onde, por imposição da câmara, todas as sepulturas passarão a ser tayloristicamente iguais, sem ornamentos de maior: nome do morto e jarra de flores. O lema que preside à medida, confessado pelo vereador responsável, é gaulesamente inspirado: “Iguais a nascer, iguais a morrer”.
Este é verdadeiramente o Estado Social (qual crise dele!): o Estado que acompanha o seu cidadão desde o berço (em Badajoz) até à cova (na Póvoa).
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