21 July 2005

Realidade e Ficção

O terror repetiu-se há quase uma semana atrás, com os (in)esperados atentados em Londres, mais uma vez com o cunho do islamismo radical. Apesar da contagem dos cadáveres continuar é, por certo, a acção menos mortífera da Al-Quaeda em capitais ocidentais. Tal facto não reduz a sua barbaridade. Foi cuidadosamente escolhida para desviar as atenções da imprensa da cimeira dos G8 – a primeira desde há alguns anos em que o terrorismo não ia dominar a agenda, ocupando-se com questões mais humanitárias e prementes.

Importante para a compreensão do fenómeno foi o rapto e morte, na semana passada, do embaixador egípcio no Iraque. Mais do que questões religiosas, são divergências culturais que animam este combate entre fanáticos e Ocidente. Este assassinato é uma tentativa de deter os outros países árabes que estão a reconhecer o governo democrático iraquiano. Pode ver-se falhas nesse regime, mas, como dizia Churchill «A democracia é a pior forma de governo com excepção de todas as outras que já foram experimentadas.»

No dia seguinte, já os londrinos regressavam às suas rotinas normais, como uma sondagem de Domingo dum canal televisivo britânico confirmava. Contudo, por muito imune que se declare, uma cidade atingida sofre. Os recentes atentados ressentem-se. Tal fenómeno é particularmente visível na América, depois do 11 de Setembro, por exemplo, no cinema. Este sábado foi anunciada a primeira longa-metragem, pela mão de Oliver Stone, sobre o atentado a Nova Iorque.

Veja-se “A Guerra dos Mundos”, que se estreou esta semana em Portugal. Spielberg já o admitiu: este é um filme pós-11 de Setembro, onde mais do que no cataclismo, a câmara se centra na devastação e no sentimento de desorientação dos personagens. Não se podem deixar de estabelecer outros paralelos: os terroristas estão sediados há muito nos países em que perpetuam os atentados, tal como os extraterrestres do filme, cujo lema de campanha é «Eles já estão aqui».

O primeiro filme de Shyamalan após o 9/11, o magnífico “A Vila”, aborda igualmente a ameaça invisível – as criaturas imaginárias que viviam no bosque em torno à aldeia – numa genial parábola sobre a cultura do medo que se vive actualmente em terras americanas. Regressando aos filmes em cartaz, é de notar o clímax de “Batman Begins”: o Homem-morcego tem de deter um comboio suspenso que colidirá com a torre Wayne. Estranhamente familiar, se tomarmos o comboio aéreo como a metáfora dum avião e alterarmos o nome da torre em questão.

É interessante constatar que as adaptações de bandas-desenhadas para o grande ecrã aumentaram exponencialmente após o 9/11. Apesar de outros motivos ligados mais à indústria cinematográfica, a meu ver, tal deve-se igualmente à necessidade de a América procurar um herói e de as pessoas se sentirem seguras porque alguém as protege.

Mas a ficção e a realidade vão mais longe a 4 de Novembro, com a estreia mundial de “V for Vendetta” (também adaptado da BD), que retrata as explosões levadas a cabo por um rebelde que por meio delas pretende opor-se ao governo fascista que domina a Inglaterra totalitarista num futuro imaginário em que os alemães venceram a Segunda Guerra Mundial. Há quem sussurre que o filme deveria ser adiado devido aos recentes acontecimentos, mas nada poderá adiar as questões inquietantes que ele promete levantar sobre a fronteira e a relação entre conceitos como liberdade, segurança, governo, revolução e terrorismo. o corvo

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