25 July 2005

Os Esquecidos ou O Oblívio e Minerva

Faço parte daquela que é a última turma de Latim da minha escola. Eu e os meus colegas somos os derradeiros e nunca mais se ouvirá nas paredes da nossa secundária esse falar vetusto quando para o ano concluirmos os nossos estudos. Um pouco por todo o país, o cenário é análogo e a herança romana vai-se gradualmente desvanecendo; a grega, essa há muito passeia manca em orfanatos escolhidos, raros como os trevos quadrifólios. Paulatinamente, o testemunho greco-romano, fundador, com o judaico-cristão, da nossa matriz cultural, vai sendo esquecido com consequências danosas para a sociedade, a começar por uma estupidificação generalizada.

O desconhecimento de nós e das raízes da nossa língua – que é a nossa pátria, como declarava Pessoa – conduz, primeiramente, a uma incapacidade de entendimento do mundo actual e a uma grave e preocupante iliteracia. Foi isso que nos vieram provar os resultados miseráveis e decadentes dos exames nacionais, onde cerca de um quinto reprovou a português e mais de dois terços no de matemática, onde, já várias vezes consecutivas, foi apontado que o principal problema é a inépcia dos alunos em entenderem os enunciados: reflexo da falta de bases linguístico-culturais que não são incutidas aos jovens, porque – argumentam certos senhores – não há necessidade e é uma carga excessiva para as crianças. Contudo, continuam a sobrecarregá-las com novos horários na primária para lá das cinco horas e com disciplinas sem sentido como Estudo Acompanhado e Área de Projecto.

Estamos perante, no fundo, um problema já aqui abordado que é o do mau ensino em Portugal, que mais uma vez verifiquei quando fui renovar a matrícula: prossigo com Francês neste ano final do secundário, mas o Inglês cessou já – foi a escola que assim o ditou, imitando muitas outras em Coimbra. Torna-se incompreensível atendendo à globalização que se serve do Inglês como língua de comunicação. Há tanta preocupação em iniciar já o ensino desse falar na primária, mas todos, pelo seu silêncio, são coniventes com esta situação. Ninguém nota que uma grande maioria – e não se tome isto como hipérbole – dos alunos atinge o final do secundário sem se conseguir exprimir, findos sete anos, duma forma minimamente fluente.

Porque eu sei isto – e sei porque o vejo, e sei porque o vi sempre, e não só a inglês – não me espanta o número de negativas nos exames, achando-as pelo contrário bem positivas. Eu venho proclamar: é preciso reprovar mais! Não podemos permitir que quem não sabe continue, porque é a falta de formação – como tantas vezes tem sido apontado – que torna os nossos trabalhadores muito menos qualificados. É importante a cultura – essa que foi toda banida dos currículos. Porque nos esquecemos das bases da nossa civilização, nunca nesse ponto poderemos competir com os terroristas que, ainda na semana passada, voltaram a actuar: porque eles sabem porque lutam, eles sabem o que defendem. Os políticos ocidentais falam da democracia e da liberdade – conceitos belos, mas aquilo que eles querem defender é algo muito mais complexo e de raízes que, por a população as desconhecer, nunca poderá compreender. Falamos em choque de culturas, mas a cultura atacada não se conhece a si mesma! Que seria, contudo, de esperar quando um recinto se enche – como na feira que recentemente a nossa cidade acolheu – para ouvir Quim Barreiros? E foi isto que substituiu gregos e romanos... o corvo

21 July 2005

Realidade e Ficção

O terror repetiu-se há quase uma semana atrás, com os (in)esperados atentados em Londres, mais uma vez com o cunho do islamismo radical. Apesar da contagem dos cadáveres continuar é, por certo, a acção menos mortífera da Al-Quaeda em capitais ocidentais. Tal facto não reduz a sua barbaridade. Foi cuidadosamente escolhida para desviar as atenções da imprensa da cimeira dos G8 – a primeira desde há alguns anos em que o terrorismo não ia dominar a agenda, ocupando-se com questões mais humanitárias e prementes.

Importante para a compreensão do fenómeno foi o rapto e morte, na semana passada, do embaixador egípcio no Iraque. Mais do que questões religiosas, são divergências culturais que animam este combate entre fanáticos e Ocidente. Este assassinato é uma tentativa de deter os outros países árabes que estão a reconhecer o governo democrático iraquiano. Pode ver-se falhas nesse regime, mas, como dizia Churchill «A democracia é a pior forma de governo com excepção de todas as outras que já foram experimentadas.»

No dia seguinte, já os londrinos regressavam às suas rotinas normais, como uma sondagem de Domingo dum canal televisivo britânico confirmava. Contudo, por muito imune que se declare, uma cidade atingida sofre. Os recentes atentados ressentem-se. Tal fenómeno é particularmente visível na América, depois do 11 de Setembro, por exemplo, no cinema. Este sábado foi anunciada a primeira longa-metragem, pela mão de Oliver Stone, sobre o atentado a Nova Iorque.

Veja-se “A Guerra dos Mundos”, que se estreou esta semana em Portugal. Spielberg já o admitiu: este é um filme pós-11 de Setembro, onde mais do que no cataclismo, a câmara se centra na devastação e no sentimento de desorientação dos personagens. Não se podem deixar de estabelecer outros paralelos: os terroristas estão sediados há muito nos países em que perpetuam os atentados, tal como os extraterrestres do filme, cujo lema de campanha é «Eles já estão aqui».

O primeiro filme de Shyamalan após o 9/11, o magnífico “A Vila”, aborda igualmente a ameaça invisível – as criaturas imaginárias que viviam no bosque em torno à aldeia – numa genial parábola sobre a cultura do medo que se vive actualmente em terras americanas. Regressando aos filmes em cartaz, é de notar o clímax de “Batman Begins”: o Homem-morcego tem de deter um comboio suspenso que colidirá com a torre Wayne. Estranhamente familiar, se tomarmos o comboio aéreo como a metáfora dum avião e alterarmos o nome da torre em questão.

É interessante constatar que as adaptações de bandas-desenhadas para o grande ecrã aumentaram exponencialmente após o 9/11. Apesar de outros motivos ligados mais à indústria cinematográfica, a meu ver, tal deve-se igualmente à necessidade de a América procurar um herói e de as pessoas se sentirem seguras porque alguém as protege.

Mas a ficção e a realidade vão mais longe a 4 de Novembro, com a estreia mundial de “V for Vendetta” (também adaptado da BD), que retrata as explosões levadas a cabo por um rebelde que por meio delas pretende opor-se ao governo fascista que domina a Inglaterra totalitarista num futuro imaginário em que os alemães venceram a Segunda Guerra Mundial. Há quem sussurre que o filme deveria ser adiado devido aos recentes acontecimentos, mas nada poderá adiar as questões inquietantes que ele promete levantar sobre a fronteira e a relação entre conceitos como liberdade, segurança, governo, revolução e terrorismo. o corvo

A Terra, os americanos, nós e eu

O encontro dos G8, que vai ter lugar em Gleneagles, Escócia, aproxima-se. O Reino Unido já estabeleceu quais as prioridades desta cimeira a que preside. Por um lado, o combate à pobreza, que continua a matar 30.000 crianças diariamente, números que justificam acções como o Live8 – oito concertos simultâneos em cidades como Berlim, Londres ou Filadélfia no dia 2 de Julho; palcos onde actuarão artistas de renome pretendendo convocar o maior número de espectadores para assim pressionar os G8 a tomarem medidas drásticas de apoio a África. O segundo grande tema que Tony Blair pretende tratar nesta cimeira é o clima, cujas dramáticas alterações já foram classificadas por ele de “provavelmente, o desafio mais importante que enfrentamos enquanto comunidade global a longo prazo.” Cerca de metade da poluição mundial é produzida por estes países, nomeadamente a América que mantém uma atitude céptica irracional. Esta descrença americana obrigou a que no projecto de declaração final da reunião dos G8, datado de 14 de Junho – como o Público indicava na semana anterior – frases como “o nosso mundo está a aquecer” e “sabemos que o aumento é devido em grande parte à actividade humana” se encontrem entre parêntesis, traduzindo uma discordância dentre os G8.

Mais revoltante ainda é a recente notícia do New York Times de que os relatórios científicos sobre esta temática foram consecutivamente manipulados por um funcionário da Casa Branca que antigamente liderava a luta das empresas petrolíferas contra os limites de emissão de gases. Outros funcionários da Casa Branca prontificaram-se a justificar tal actuação, chegando a afirmar que as alterações feitas aos relatórios científicos eram uma parte natural da revisão efectuada a todos os documentos de igual assunto. Não é descabido lembrar ainda a proibição da administração Bush, aquando da estreia do filme O Dia Depois de Amanhã, de que os cientistas da NASA se pronunciassem sobre a película, que era uma crítica à política anti-ambientalista da sua presidência e que versava sobre os cataclismos que o aquecimento global pode provocar.

Entretanto, enquanto a política de silêncio e inoperância prossegue pomposa, o mundo definha a passos largos. No início deste ano foi divulgado, por parte do Grupo de Trabalho Internacional sobre Mudança do Clima, um relatório onde se afirma que a humanidade tem aproximadamente dez anos para poder reduzir muito substancialmente as emissões de gases poluentes, caso contrário, o risco para ecossistemas e sociedades aumentará significativamente, envolvendo as consequências perdas agrícolas severas e forte escassez de água. O mundo dispõe duma década até atingir o chamado ponto de não retorno. Os estudos científicos mais apocalípticos indicam 2050 como a data em que a vida terrena se terá tornado insustentável.

Também Portugal não está isento. A seca actualmente vivida que tem levado a racionamentos de água como aquele que agora parece também vir a ser aplicado no nosso concelho são consequências directas da instabilidade climática. Um relatório da Agência Europeia para o Ambiente veio revelar, este mês, que fomos o quarto país europeu com concentrações de ozono mais elevadas no Verão de 2004.

Existe um site que propõe que todos saltemos ao mesmo tempo para desviar o planeta do seu eixo, o que supostamente pararia o aquecimento, através do aumento dos dias e da homogeneização do clima. Se nada for feito pelos G8, mais me vale inscrever nessa patética, mas desesperada acção: saltar para salvar o planeta... o corvo