Faço parte daquela que é a última turma de Latim da minha escola. Eu e os meus colegas somos os derradeiros e nunca mais se ouvirá nas paredes da nossa secundária esse falar vetusto quando para o ano concluirmos os nossos estudos. Um pouco por todo o país, o cenário é análogo e a herança romana vai-se gradualmente desvanecendo; a grega, essa há muito passeia manca em orfanatos escolhidos, raros como os trevos quadrifólios. Paulatinamente, o testemunho greco-romano, fundador, com o judaico-cristão, da nossa matriz cultural, vai sendo esquecido com consequências danosas para a sociedade, a começar por uma estupidificação generalizada.
O desconhecimento de nós e das raízes da nossa língua – que é a nossa pátria, como declarava Pessoa – conduz, primeiramente, a uma incapacidade de entendimento do mundo actual e a uma grave e preocupante iliteracia. Foi isso que nos vieram provar os resultados miseráveis e decadentes dos exames nacionais, onde cerca de um quinto reprovou a português e mais de dois terços no de matemática, onde, já várias vezes consecutivas, foi apontado que o principal problema é a inépcia dos alunos em entenderem os enunciados: reflexo da falta de bases linguístico-culturais que não são incutidas aos jovens, porque – argumentam certos senhores – não há necessidade e é uma carga excessiva para as crianças. Contudo, continuam a sobrecarregá-las com novos horários na primária para lá das cinco horas e com disciplinas sem sentido como Estudo Acompanhado e Área de Projecto.
Estamos perante, no fundo, um problema já aqui abordado que é o do mau ensino em Portugal, que mais uma vez verifiquei quando fui renovar a matrícula: prossigo com Francês neste ano final do secundário, mas o Inglês cessou já – foi a escola que assim o ditou, imitando muitas outras em Coimbra. Torna-se incompreensível atendendo à globalização que se serve do Inglês como língua de comunicação. Há tanta preocupação em iniciar já o ensino desse falar na primária, mas todos, pelo seu silêncio, são coniventes com esta situação. Ninguém nota que uma grande maioria – e não se tome isto como hipérbole – dos alunos atinge o final do secundário sem se conseguir exprimir, findos sete anos, duma forma minimamente fluente.
Porque eu sei isto – e sei porque o vejo, e sei porque o vi sempre, e não só a inglês – não me espanta o número de negativas nos exames, achando-as pelo contrário bem positivas. Eu venho proclamar: é preciso reprovar mais! Não podemos permitir que quem não sabe continue, porque é a falta de formação – como tantas vezes tem sido apontado – que torna os nossos trabalhadores muito menos qualificados. É importante a cultura – essa que foi toda banida dos currículos. Porque nos esquecemos das bases da nossa civilização, nunca nesse ponto poderemos competir com os terroristas que, ainda na semana passada, voltaram a actuar: porque eles sabem porque lutam, eles sabem o que defendem. Os políticos ocidentais falam da democracia e da liberdade – conceitos belos, mas aquilo que eles querem defender é algo muito mais complexo e de raízes que, por a população as desconhecer, nunca poderá compreender. Falamos em choque de culturas, mas a cultura atacada não se conhece a si mesma! Que seria, contudo, de esperar quando um recinto se enche – como na feira que recentemente a nossa cidade acolheu – para ouvir Quim Barreiros? E foi isto que substituiu gregos e romanos... ■ o corvo