22 July 2009

O Estranho Caso de Alfie Patten

Distraídos com o Carnaval, poucos, acredito, terão ido ver ao Messias este fim-de-semana o último opus de Fincher, O Estranho Caso de Benjamin Button, obra de uma beleza sóbria, coroada por essa actriz suprema que é Cate Blanchett. O protagonista do filme, interpretado por Brad Pitt e muitos efeitos especiais, tem a peculiaridade de, em vez de envelhecer, rejuvenescer: tendo nascido velho, morre bebé. Benjamin passa a sua infância num lar de idosos (aceite-se o paradoxo); cedo aprende a conviver com a morte e as coisas adultas. A sua condição invulgar obriga-o a uma maturidade precoce. Nem Benjamin, porém, se vê feito adulto tão à pressa, forçado a enfrentar a paternidade e a tomar nos braços um filho, como Alfie Patten, o miúdo inglês de treze anos que, na semana passada, o Sun, essa coisa abjecta que faz o 24 Horas parecer um jornal de referência, revelou aos súbditos de Sua Majestade.
Conservo ainda da minha estadia em terra alheia o hábito de, no meu jogging diário pela internet, visitar as páginas dos principais jornais ingleses. Grande foi o meu espanto – grande como aquele espanto que, Aristóteles dixit, está no parto da Filosofia – quando encontrei a notícia: Alfie, o puto com cara de nove anos, e a sua namorada teenager de quinze eram pais. Uma coisa destas, obviamente, transbordou e, alguns dias depois, os nossos jornais também já estudavam o caso, vindo a lume na mesma semana em que, curiosamente, por cá, se discutia esse assunto vetusto, de barbas: a introdução de educação sexual nas escolas, projecto que acabou por ser aprovado no Parlamento.
Casos aberrantes, mas reais, como o de Alfie, mostram que as doze horas por ano que, doravante, os alunos forçosamente terão sobre esta matéria são importantes. O busílis da questão está todo no conteúdo das ditas cujas. Exemplo: o governo inglês – isto é outra daquelas notícias que uma pessoa pesca na Rede – vai começar brevemente a distribuir panfletos dirigidos aos pais em que os aconselha a, quando falarem com os filhos sobre sexo, não tentarem convencê-los do que está certo ou errado, porque isso, dizem, pode levar a que eles não sejam “abertos”. Apetecia-me acabar a crónica aqui, deixar o leitor de olhos fechados, como quem percebe que um grande erro acabou de ser feito, a levar a mão com força à testa, como quem se lembra que não jogou no euromilhões (está mal, pois está mal).
Esta incapacidade moderna de dizer sim sim, não não prende-se directamente com a transformação do politicamente correcto no valor moral por excelência dos tempos de hoje. O politicamente correcto não admite as categorias de certo ou errado e faz de tudo uma mixórdia em nome de uma tolerância que, na maioria dos casos, é apenas um eufemismo para a indiferença. Toda a educação sexual que seja, de facto, educação, terá sempre uma concepção comprometida – isto é, não neutra – da sua matéria: não dá para brincar à Suíça.
O que é necessário é pois uma educação para os afectos. As gravidezes adolescentes não resultam, em geral, de um desconhecimento dos métodos contraceptivos ou do kamasutra: os Morangos Com Açúcar encarregam-se dessa pedagogia. O que é preciso é ensinar o significado e o tempo do sexo e a verdadeira natureza do amor. Num tempo do corpo, cultivar a alma: reensinar os miúdos a sentir, a escrever cartas de amor ridículas como as palavras esdrúxulas do Campos (já o professor Keating, no Clube dos Poetas Mortos, dizia, com verdade, que a linguagem se desenvolvera com o objectivo único de cortejar as mulheres). A alma educa-se, os afectos aprendem-se: toda a literatura universal é um manual de amor gigante. Infelizmente, Alfie não parece ser grande adepto dos livros: prefere, como o provam as fotografias do Sun, a Playstation. A vida, para ele, poderá ter sido, até hoje, uma brincadeira. Agora que o seu filho nasceu, sobre um futuro preto, as palavras: game over.