Podia mentir – não vale a pena, porém (nem está correcto): não tenho assunto para a crónica. Corrijo-me: não tenho assunto interessante para a crónica. Devo, talvez, ser mais preciso: não tenho assunto relevante para a crónica. Aconteceram certamente coisas: continuaram a imprimir-se jornais e as televisões, à uma hora, pontuais, vinham intrometer-se no nosso almoço, atraídas, quiçá, pelo bom cheiro da comida. Tínhamos, para nos entretermos, os Jogos Olímpicos e a onda de assaltos (os russos, por solidariedade, decidiram-se a assaltar um país inteiro, por exemplo). Desliguei-me do mundo para férias durante coisa de quinze dias, mas quando me devolvi a ele achei-o igual: nada me motivava sequer uma altercação de café (reconheço, contudo: Michael Phelps, o peixe, entusiasmou-me).
Voltei do meu exílio, peguei nos jornais guardados (tinha de escrever uma crónica). Pareciam-me uma acumulação infantil de faits divers, de maior ou menor dimensão. Recordei as palavras de Swann, personagem homónima do primeiro volume do Em Busca do Tempo Perdido, de Proust: “O que eu censuro nos jornais é obrigarem-nos todos os dias a dar atenção a coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais”. Mais: “Já que rasgamos febrilmente todas as manhãs a cinta do jornal, então devíamos mudar as coisas e pôr no jornal, sei lá, os... os Pensamentos de Pascal”. Belíssima ideia: teria assim, facilmente, sem dúvida, matéria para muitas crónicas.
Pelo contrário, os media, nomeadamente as televisões, insistem em reportagens absolutamente irrelevantes, com o único intuito de entreter o espectador – a notícia, coisa séria, antes matéria dos arautos, é agora apregoada por jograis. Não menos intrigante, para mim, é a forma como se conseguem escrever jornais diários inteiramente dedicados ao desporto (por amor à verdade não digo futebol). Como se mantêm os canais noticiosos vinte e quatro horas no ar: acontece na terra tanta coisa? Não deixa de ser curiosa esta nossa bisbilhotice moderna pela novidade, que amanhã é já antiga (pergunta brincalhona: são possíveis novidades de ontem?). As pessoas querem opinar sobre tudo (algumas até escrevem crónicas).
O paradoxo maior é que, no fim, com tanta informação, andamos, regra geral, mal informados (o paradigma desta verdade será talvez o caso Maddie). O incessante fluxo de notícias impede que estas sejam aprofundadas devidamente, quer pelos espectadores, quer pelos próprios media. Proponho fazer-se a seguinte experiência: entre os jornais de dois dias seguidos, deixar passar uma semana. Levar-se uma semana para ler bem e calmo o número de um jornal, conhecer-lhe as notícias e protagonistas a fundo. Rejeitar a descartabilidade do objecto (há uma certa nova, chamada Boa, que se mantém actual, dizem, já há dois mil anos).
Um esquema como o proposto resultaria ainda noutras vantagens. O jornal do dia seguinte, publicado, porém, apenas uma semana depois, guardaria já só as informações fundamentais, resistentes ao teste do tempo como um bom relógio à água; os editores, com o conhecimento do que se tinha entretanto passado, seriam mais criteriosos na escolha dos artigos, privilegiando os mais completos e essenciais. Nada de coisas irrelevantes: teríamos um jornal concentrado como sumo de laranja. O Jornal da Mealhada, por ora, ainda não aderiu a esta ideia revolucionária: já pensou o leitor quanto não teria ganho se não tivesse desperdiçado o seu tempo a ler esta pequena crónica inútil de um escritor sem assunto?
Pelo contrário, os media, nomeadamente as televisões, insistem em reportagens absolutamente irrelevantes, com o único intuito de entreter o espectador – a notícia, coisa séria, antes matéria dos arautos, é agora apregoada por jograis. Não menos intrigante, para mim, é a forma como se conseguem escrever jornais diários inteiramente dedicados ao desporto (por amor à verdade não digo futebol). Como se mantêm os canais noticiosos vinte e quatro horas no ar: acontece na terra tanta coisa? Não deixa de ser curiosa esta nossa bisbilhotice moderna pela novidade, que amanhã é já antiga (pergunta brincalhona: são possíveis novidades de ontem?). As pessoas querem opinar sobre tudo (algumas até escrevem crónicas).
O paradoxo maior é que, no fim, com tanta informação, andamos, regra geral, mal informados (o paradigma desta verdade será talvez o caso Maddie). O incessante fluxo de notícias impede que estas sejam aprofundadas devidamente, quer pelos espectadores, quer pelos próprios media. Proponho fazer-se a seguinte experiência: entre os jornais de dois dias seguidos, deixar passar uma semana. Levar-se uma semana para ler bem e calmo o número de um jornal, conhecer-lhe as notícias e protagonistas a fundo. Rejeitar a descartabilidade do objecto (há uma certa nova, chamada Boa, que se mantém actual, dizem, já há dois mil anos).
Um esquema como o proposto resultaria ainda noutras vantagens. O jornal do dia seguinte, publicado, porém, apenas uma semana depois, guardaria já só as informações fundamentais, resistentes ao teste do tempo como um bom relógio à água; os editores, com o conhecimento do que se tinha entretanto passado, seriam mais criteriosos na escolha dos artigos, privilegiando os mais completos e essenciais. Nada de coisas irrelevantes: teríamos um jornal concentrado como sumo de laranja. O Jornal da Mealhada, por ora, ainda não aderiu a esta ideia revolucionária: já pensou o leitor quanto não teria ganho se não tivesse desperdiçado o seu tempo a ler esta pequena crónica inútil de um escritor sem assunto?