E pur si muove! E, porém, move-se! Quando se imaginava o processo que a Inquisição lhe moveu já definitivamente enterrado – tão enterrado quanto o próprio Galileu –, eis que um grupo de professores da mais conceituada universidade italiana, La Sapienza, em Roma, resolveu ressuscitar a polémica, enviando uma carta ao reitor da instituição onde se declaravam contra o convite que este havia dirigido a Bento XVI para discursar na inauguração do ano lectivo. Os signatários justificavam a sua posição relembrando a laicidade da universidade, acusando o Papa de se ter pronunciado a favor do julgamento de Galileu num discurso em 1990.
O caso Sapienza permite duas linhas de reflexão: uma, mais geral, sobre a liberdade de expressão; outra, mais particular, sobre o regurgitado confronto entre ciência e fé. A liberdade de opinião está hoje – já o crocitámos repetidas vezes neste espaço – bastante ameaçada. Quem tenha dispensado alguns minutos a ler o discurso de 1990 de Bento XVI terá verificado que o Papa não defende o julgamento de Galileu, antes cita, em contexto próprio, um filósofo que o faz. Porém, ainda que o Bispo de Roma fosse, de facto, favorável à condenação de Galileu (não é), deveria ser livre de exprimir essa sua opinião. A liberdade de expressão comporta também a liberdade de ser idiota. Urge combater o império do politicamente correcto: relembre-se, no ano passado, o caso de James Watson, enxovalhado pela comunidade científica por ter avançado a hipótese de que raça e inteligência podem estar relacionadas. A ideia parece-nos absurda, mas isso não pode justificar a activação imediata de um sistema de censura pública: algumas instituições chegaram, imagine-se!, a retirar a Watson galardões com que o haviam premiado.
Por outro lado, no caso Sapienza, houve uma nítida tentativa de recuperar a antinomia ciência/fé. Nos EUA, este conflito está na ordem do dia, por um lado, devido ao 11 de Setembro, cujas motivações religiosas obrigaram muitos a repensar a natureza das religiões, por outro, por causa da cada vez maior expressão do fundamentalismo cristão americano, trazido para a ribalta com a questão do ensino do criacionismo nas escolas e com a reeleição de Bush. As religiões deparam-se hoje em dia com um grave cenário. Ameaça-as o indiferentismo, fenómeno muito próprio desta chamada pós-modernidade. Esta atitude leva parte dos crentes, como resposta, a procurar exprimir mais radicalmente a sua opção de vida, fermentando os fundamentalismos. Estes, por sua vez, originam nalguns ateus e agnósticos um forte sentimento de indignação, que os convence a extremar as suas posições, assumindo uma postura de crítica aberta ao fenómeno religioso. Indiferentismo, fundamentalismo e ateísmo radical (o «laicismo» dos professores da Sapienza): neste triângulo das Bermudas, a religião vai desaparecendo.
Desaparece – e pur si muove! É que, no fim de contas, a ciência não substitui a religião (Comte tentou fazer isso, e criou essa doutrina abjecta que foi o positivismo: obviamente, nunca tinha lido Fausto, para perceber que a ciência não pode satisfazer o homem). A história, porém, trata sempre de repor a justiça das coisas, com a sua ironia amarga: a Sapienza, riamo-nos!, foi fundada por um papa, Bonifácio VIII. Lá se vai o «laicismo»!
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IGREJA CRISTÃ E LIBERDADE
“Cedi enfim admitindo que Deus era Deus, e ajoelhei-me e orei: talvez, naquela noite, o mais deprimido e relutante converso de toda a Inglaterra. Não percebi então o que se revela hoje a coisa mais ofuscante e óbvia: a humildade divina que aceita um converso mesmo em tais circunstâncias” (C.S.Lewis – “Surpreendido pela Alegria”)
O ateísmo, como movimento ideológico e filosófico – crente de que “o homem é a medida de todas as coisas” – conforme reza o modernismo - parece empreender uma verdadeira cruzada anti-religiosa, tentando minar a fé das pessoas com seu racionalismo obsessivo e, quiçá, desesperado.
Por exemplo, o jovem autor do livro “Ateísmo & Liberdade”, André Cancian, afirma: “Desfecho críticas à religiosidade e à religião, pois as julgo como algo extremamente pernicioso – um grilhão, uma verdadeira travanca ao progresso do conhecimento humano. Fazer da credulidade irrestrita, desse fechar-os-olhos par excellence – mais conhecido como fé – uma virtude foi a mais indecente perversão já perpetrada contra a liberdade humana”.
Flui desse modismo editorial uma verdadeira maré de publicações que tentam vulgarizar o ateísmo como o caminho certo para uma humanidade “oprimida pelos religiosos”.
O jornalista britânico Christopher Hitchens publicou um livro chamado “deus não é GRANDE”. Afirma ele: “Se eu não posso provar definitivamente que o sentido da religião desapareceu no passado, que seus livros fundamentais são fábulas transparentes, que é uma imposição criada pelo homem, que tem sido inimiga da ciência e da pesquisa e que sobreviveu principalmente de mentiras e medos e foi cúmplice da ignorância e da culpa, bem como da escravidão, do genocídio, do racismo e da tirania, eu quase certamente posso afirmar que a religião hoje está plenamente consciente dessas críticas. Também está plenamente consciente das provas cada vez mais numerosas, referentes às origens do universo e à origem das espécies, que a relegam à marginalidade, quando não à irrelevância”.
Manipulando palavras e citando a pseudo-ciência (como a teoria de Charles Darwin – que por não encontrar sustentação continua apenas como teoria e não verdade cientifica comprovada) não apenas nega Deus, nega o valor da maioria das religiões – que buscam na transcendência não apenas a origem da realidade e da vida, como também o sentido da existência humana.
O biólogo Richard Dawkins, considerado um dos papas do ateísmo, publicou no ano passado o livro “Deus – Um delírio”. Em seu fanatismo racionalista ateu compara a “educação religiosa ao abuso infantil”. Vai mais além, conforme uma sinopse da editora: “Em 'Deus, um delírio', seu intelecto afiado se concentra exclusivamente no assunto e mostra como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças. O objetivo deste texto mordaz é provocar os religiosos convictos, mas principalmente provocar os que são religiosos 'por inércia', levando-os a pensar racionalmente e trocar sua 'crença' pelo 'orgulho ateu' e pela ciência”. Na verdade esse ateísmo proselitista parece firmar-se, cada vez mais, ironicamente, como uma nova religião – como mostra outra obra, “Tratado de ateologia”, de Michel Onfray: “Deus não está morto nem moribundo – ao contrário do que pensam Nietzsche e Heine. Nem morto nem moribundo porque não mortal. Uma ficção não morre, uma ilusão não expira nunca, não se refuta um conto infantil”.
Há, desde há muitos anos, uma verdadeira guerra às tradições judaico-cristãs, cuja difusão deu origem a civilização ocidental, fantásticas conquistas na ciência e elevando a dignidade humana através de valores éticos e morais – que muitos querem banir da consciência humana porque confrontam pressupostos da velha e decadente condição humana.
Em sua obra “Civilização em Transição” C.G.Jung lembra a Revolução Francesa como “não tanto uma revolução política mas muito mais uma revolução dos espíritos, uma explosão generalizada da energia armazenada pelo iluminismo francês”. Observa: “A primeira destituição oficial do cristianismo pela Revolução deve ter causado uma profunda impressão no pagão inconsciente que existe em nós, pois desde então ele não teve mais sossego. E, desde então, a descristianização da cosmovisão fez rápidos progressos”.
Não podemos negar, no entanto, que a religião, em si, como prática humana, é sujeita a erros e manipulações – que tem ocorrido na História.
Vemos, no entanto, como a Bíblia, revelando a presença de Deus e sua vontade – intervindo na História e na vida de seus personagens – não esconde as misérias da condição humana, nem a fragilidade e pecados de seus heróis. Nesse sentido confronta os mitos, fantásticos e manipuladores, da tão celebrada Grécia, pelos racionalistas, e sua cultura.
Quando a religião, como instituição humana, se afasta dos preceitos áureos das Sagradas Escrituras, torna-se em inimigas da verdade – e é fato que isso vem ocorrendo através dos séculos. No entanto a verdadeira Igreja de N.S.Jesus Cristo vem prevalecendo há mais de dois mil anos, mesmo que em meio ao trigo haja muito joio – como alertou Jesus a seus discípulos: “Pelos frutos os conhecereis”.
Os teóricos do ateísmo, em sua vertente que ostenta nomes como Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, David Hume, Henry L. Mencken, Arthur Schopenhauer, Mikhail Bakunin, Sebastièn Faure, Bertrand Russell, Richard Dawkins e Geoffrey Miller, vêm influenciando uma nova safra de niilistas, nessa cruzada contra a realidade da fé – tentando desconstruí-la na mente nas novas gerações utilizando falsos pressupostos.
Se há grandes contradições no seio de instituições religiosas esse fato não limita o poder, a presença benéfica e salutar para a vida das nações. Cremos e defendemos o valor da mensagem do Evangelho de Jesus Cristo, que coaduna com os ideais mais elevados da consciência humana – criada à “imagem e semelhança de Deus”.
Jesus também se referiu aos inimigos da fé, que combateriam utilizando os mais diversos meios. Desde seus primórdios a Igreja de Cristo foi martirizada pelos seus opositores: Vários apóstolos, muitos pais da Igreja, quase toda a geração de crentes, no primeiro século, os protestantes, no Século XVI, foram alvos do ódio irracional de potentados terrenos. A gloriosa galeria dos mártires continua a fulgurar heróis da fé em pleno século 21 (dois missionários coreanos, por exemplo, foram sacrificados por grupos fanatizados no Afeganistão, há alguns meses – porque expressavam com serviço seu amor a Cristo e ao seu semelhante, em ações humanitárias). Nunca, porém, ouvimos dizer que houveram pessoas martirizadas por defenderem o ateísmo e seus ideais de uma vida sem Deus!
Por outro lado a filosofia, desde o advento da equação hegeliana, vem influenciando uma geração para a qual nada faz sentido e o vazio deve ser preenchido pelo hedonismo e crescente sede de um consumismo desesperado – fortalecendo a indústria das drogas e da violência, bem como um consumismo que degrada os ecosistemas.
Devemos também lembrar que Jesus ensina à prática da fé, expressa através de um novo estilo de vida, não mais guiado pela velha natureza, nem sustentado por hierarquias tradicionais. Propôs um modus vivendi cuja máxima resumiu em dois preceitos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, com todas as tuas forças, com todo teu entendimento, e, amarás a teu próximo como a ti mesmo”.
Desde seus primórdios a Igreja cristã tornou-se o seio de todos os excluídos: escravos, presidiários, assassinos arrependidos, mulheres discriminadas, crianças desamparadas, mendigos e aflitos, doentes e endemoninhados. Jesus disse para um grupo de religiosos: “Eu vim para dos doentes e não para os que não necessitam de médico” – negando a auto-suficiência humana que, presa a rituais, negava o verdadeiro culto a Deus.
Jesus observou as multidões como rebanhos sem pastor e atribuiu a seus discípulos o nobre papel de liderar os povos desamparados de todas as nações.
A humanidade não pode se esquecer dos horrores causados pelo ateísmo de Estado: Milhões de mortos, assassinados, deportados e submetidos a campos de concentração, na Rússia e países do leste europeu – que até hoje é assombrado pelos seus traumas. Milhões de judeus foram exterminados barbaramente por um regime soberbo liderado por um homem sem temor a Deus, chamado Adolf Hitler. Jesus garantiu a vitória a seus seguidores: “Edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
Devemos, pois, entender um princípio básico: A Igreja cristã transcende às denominações religiosas; ela deve se responsabilizar pelas falhas de seus seguidores, porém não pode ser responsabilizada pelas mazelas de instituições ou de governos apenas nominalmente “cristãos” – porque as instituições passam, mas a Igreja (o Corpo místico de Cristo) prevalece, sendo continua e crescentemente consolada, perdoada, santificada e glorificada.
A Igreja de Cristo é caracterizada por aquele que nega a si mesmo em benefício do próximo; é aquela que oferece a outra face e não revida a acusações e afrontas; é aquela que chora pelos seus mártires, mas não martiriza ninguém; clama pela justiça, mas não apela para a violência para fazer valer algum direito. Sua missão é ser sal da terra e luz do mundo – o amor é seu motivo e o serviço abnegado o coração de seu Evangelho. Vive para a glória de Deus e é essencialmente livre pois “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.
Devemos nos aliar aos ateus na denuncia a injustiça e a barbárie, ao fanatismo intolerante e a discriminação – sem, no entanto, abrir mão da liberdade de reafirmar nossa fé e prosseguir na missão de fazer discípulos para Cristo.
vidarteecolgia.blogspot/
José J Azevedo
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