Um povo mal-acordado tem duas maneiras de se olhar ao espelho de manhã: pelas mãos dos artistas e filósofos, nas metáforas múltiplas da criatividade e do pensamento; ou pelos lábios dos sociólogos e matemáticos, nas estatísticas estatalmente encomendadas. O pequeno mês de Fevereiro enlatou em si, como num metropolitano japonês, ampla quantidade de estudos, revelados na última quinzena: os portugueses, como uma mulher, mediram-se no reflexo de uma montra – e descobriram a sua tristeza.
O mote foi lançado pelo último relatório da UNICEF, que registava que uma em cada cinco crianças em Portugal estava descontente com a sua vida. Só a Noruega, por meio ponto percentual – mania dos países nórdicos de liderarem todas as tabelas e todas as estatísticas!, superava a nossa taciturnidade (derivará esta tristeza comum do bacalhau?). Porém, em compensação, regista-se em Portugal o mais baixo nível, dentro do espaço da OCDE, de «bem-estar educativo», parâmetro que afere, de um modo geral, a qualidade do ensino: possuímos uma das mais elevadas taxas de abandono escolar e os resultados dos alunos portugueses nos vários testes de literacia – a nível de conhecimento científico, somos mesmos os mais fracos – justificam plenamente a nossa humilhante posição. É significativo que Portugal seja o país onde mais jovens (13%) confessam não existirem sequer dez livros em sua casa. Não obstante tudo, ou talvez por isso mesmo, os alunos portugueses são dos que dizem gostar mais da escola (31%) – possivelmente, porque nada (ou muito pouco) se faz lá. É um exercício de humor negro ler os cartas de leitor, assinadas por professores, que chegam aos jornais, relatando peripécias de aulas de substituição ou problemas com o prolongamento dos horários no primeiro ciclo. O problema só secundariamente reside em alunos ou professores, antes se centra nos poderes que lhes são superiores: respectivamente, os pais e o Ministério da Educação, prodígios de incompetência.
Tal como as crianças, também os pais deste país rasgam as vestes e batem no peito, em espectáculo tragicómico de tristeza. Um relatório de meados do mês, por exemplo, dava conta da estagnação das vendas de antidepressivos. Porém, os médicos entrevistados manifestavam o espanto, pois os casos de depressão, a seu ver, haviam aumentado – andamos todos deprimidos.
O jornalista, coitado!, avançava então com a tese da redução do poder de compra para justificar o paradoxo. E, efectivamente, Portugal, revelou dia vinte a UE, está entre os mais pobres dos seus vinte e sete estados-membros. Mais grave é o facto de o emprego não constituir necessariamente uma salvaguarda contra a pobreza: assim, 14% dos portugueses empregados vivem, mau grado o seu salário (esses salários baixos, lembram-se?, que devem atrair os chineses), abaixo do limiar da pobreza – a taxa é o dobro da média europeia; Portugal regista o pior resultado. O elevado risco de pobreza, afirma a Comissão Europeia, justifica-se pelo aumento do desemprego e o baixo nível de escolaridade dos jovens: assim fica comprovado como os dois lados da balança se interrelacionam e, por isso, o Ministério da Educação é quase tão vital para a recuperação económica do país como o da Economia.
Esta precária conjuntura contribui decerto para que Portugal apareça como o país onde se registe menor bem-estar psicológico, num estudo anglo-americano que investigou os níveis de felicidade de quinze nações europeias para os relacionar, surpreendentemente, com os problemas de hipertensão. Consequentemente, Portugal é não só, dos quinze, o mais infeliz: é também o mais hipertenso. E, desengano!, nem no campo se achará a paz que na cidade se perdeu: outra investigação da UE publicada este mês revelou que, em média, a qualidade de vida no campo é inferior à da cidade, sendo tanto pior quanto mais pobre o país. Coerentemente, Portugal aparece nos últimos da lista: eis o estado e o estudo da nação. ■ o corvo