31 August 2005

Pedi, e ser-vos-á dado (I Parte do Ciclo Nipónico)

Na penúltima Pública – revista dominical do Público – pude ler um dos mais interessantes artigos deste ano, dedicado a um fenómeno social japonês que foi apelidado de “hikikomori”, palavra que se refere a jovens que, devido a uma depressão, se resolvem trancar durante vários anos nos seus quartos. Anexada à reportagem, seguia-se uma outra sobre as adolescentes do Japão. Nela, via-se como as raparigas nipónicas, extremamente mimadas, esbanjam todo o dinheiro que recebem, quer como mesada, quer dos seus trabalhos em part-time, em roupas caras, com as quais vivem obcecadas, sem aspirarem a nada mais alto do que serem donas-de-casa, com um marido rico que as sustente. É a geração do “Pedi, e ser-vos-á dado.”, em que os pais acedem a todos os desejos das filhas.

Seja-me permitido aqui reproduzir as palavras, citadas na reportagem, de Takahiro Hadaki, director duma revista juvenil feminina, procurando explicações para tal exacerbado consumismo: «A política não está bem, nem a economia. A população está a envelhecer, e eles
[os jovens] sabem que lhes cabe sustentar os mais velhos. Mas acham que não vão conseguir ter dinheiro, mesmo que trabalhem. Estão a desistir de ter esperança no futuro».


Fora de contexto, dir-se-ia que esta frase se refere ao panorama português. Entre os jovens – falo por aqueles que me são próximos e mesmo por mim – esse desalento quanto ao futuro assombra-os: o desemprego é a nova espada de Dâmocles. Em Humanidades, então, o desespero é generalizado. Cada vez mais colegas se inclinam para a hipótese de seguir Direito, o último curso com saída dentro do nosso cada vez mais decadente agrupamento. Os poucos que permanecem fiéis aos seus projectos originais (como Psicologia, História ou Filosofia), ano a ano, tomam maior consciência do suicídio profissional que professam. A título de exemplo, soube recentemente que um archeiro da Universidade de Coimbra é licenciado em Psicologia.

Assim, não é de estranhar que, entre os que obtêm melhores resultados, seja comum o desejo de emigrar. Também não é de admirar que o sistema de cunhas, parecendo ser o único meio de assegurar um emprego, ainda que mal pago, prevaleça: lugares bem remunerados, não os há suficientes para a juventude. Porque administradores da Caixa Geral de Depósitos há só nove... E para que tenhamos as indemnizações, primeiro temos de lá estar! Não que seja complicado: as quotas do partido só têm de estar em dia. Não posso deixar de apontar, a propósito, que, entre os meus conhecidos, é significativo o número de jovens que se têm vindo a registar em juventudes partidárias. Sinal dos tempos? Não obstante esta nova vaga, os partidos insistem em usar os seus velhos vultos, alguns na casa dos oitenta. De facto, como acima dizia Hadaki, «A população está a envelhecer...».

Perante isto, não será normal o descrédito em que caiu a política nacional? Esta está num ponto degradante e promíscuo, em que se misturam interesses do futebol e dos partidos, com seus boys e demagogias autárquicas. Não se entende – e perdoe-se-me o lugar-comum – que haja dinheiro para estádios, mas não para hospitais; haja dinheiro para a Ota e TGV, mas os bombeiros – os últimos heróis da nossa era – não tenham equipamento adequado nem meios suficientes para combater os fogos, que tornaram o ar nas nossas cidades literalmente irrespirável. Com auto-estima, justificadamente, tão em baixo, qualquer dia, é o país que faz “hikikomori”... o corvo